São Paulo, por ser uma cidade multicultural e globalizada, apesar das desigualdades sociais evidentes, proporciona a seus habitantes a possibilidade de acessos diversificados e qualitativos, inerentes ao tipo de construção social da localidade. Assim, este ambiente influenciador, seguido do processo de ascensão social, aumento do poder aquisitivo, políticas públicas direcionadas e ações afirmativas favoráveis às consideradas minorias sociais, provocou um forte investimento no capital intelectual, o que teve como um de seus desdobramentos a mudança perceptível do comportamento de uma parcela significativa da população negra em diversos campos do consumo. Esta democratização, oriunda do empoderamento de uma parcela maior de afro-brasileiros, deu início a um processo de construção de um novo perfil de consumidor.
CONCEITO
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Na consultoria ETNUS, entendemos por Afroconsumo um movimento de contracultura, que considera a influência direta ou indireta das características étnico-raciais nas experiências do consumo, consciente ou inconscientemente, protagonizando a estética e as características raciais e culturais intrínsecas aos afrodescendentes. Esta disruptura surge como expressão das demandas de sujeitos ainda invisíveis aos olhos do mercado em sua totalidade (comunicação, produção industrial etc), que passam a exigir que suas individualidades e especificidades sejam consideradas e respeitadas. Esta união de pessoas pela identidade e necessidade potencializa o surgimento de um novo nicho de consumo, colocando os afro-brasileiros no centro dos estudos.
BRASIL DO FUTURO: EUA E NIGÉRIA, MODELOS DE UM AFROCONSUMO MADURO
Semelhante ao contexto contemporâneo brasileiro, nos Estados Unidos, durante o período da segregação racial institucionalizada, quase que por uma questão de sobrevivência, criou-se uma sociedade de consumo alternativa para contemplar essa procura pulsante por representação. Moda, cinema, música e educação foram alguns dos segmentos mais marcantes na formação dessa nova produção de consumo norte-americana, iniciada no final dos anos 60. Hoje, os afro-americanos, assistidos pelas lutas sociais, políticas afirmativas e empoderamento econômico, apesar de configurarem apenas 12% da população estadunidense, atuam com força representativa relevante na sociedade de consumo americana. Conforme estudo realizado pela Nielsen Company, estima-se que atualmente os afro-americanos consumam por ano, aproximadamente, 1,1 trilhões de dólares e, até 2017, esse valor alcançará a casa dos 1,3 trilhões de dólares.
Movimento parecido acontece na Nigéria, onde o principal exemplo é o da segunda maior indústria cinematográfica do mundo, a Nollywood, surgida a partir de uma ausência de representatividade dos nigerianos, que consumiam apenas filmes de pessoas brancas sem relação étnico-racial. Além disso, uma crise financeira na década de 80 alavancou o olhar à indústria local, induzindo um processo de produção representativa da população desse país africano. Atualmente, esse consumo direcionado é responsável por uma receita de 800 milhões de dólares ao ano.
Foto: Afropop – Cine Nollywood
Ambos os movimentos de afroconsumo anteriormente citados têm em comum o surgimento por uma questão de necessidade social ou identitária – o reconhecimento estético – que acarreta uma mudança de comportamento de consumo, proveniente dos avanços das lutas sociais, empoderamento intelectual e econômico, culminando no surgimento de novos mercados direcionados, produzidos ou não pela comunidade negra. Outra marca extremamente interessante é o crescimento desse nicho de mercado, que com o passar dos anos se consolida significativamente. Nos Estados Unidos, por exemplo, projeta-se um aumento de 2 bilhões de dólares no período de 2015 a 2017.
No Brasil, a TBWA fez uma das primeiras estimativas sobre rendimento anual da classe média negra brasileira, no ano de 1998, chegando a um valor de R$ 46 bilhões ao ano. Ainda, apareceram informações importantes a respeito do comportamento de consumo dessas pessoas: 36% dos entrevistados queriam sabonetes especiais, 31%, roupas com motivos africanos, enquanto 27% reclamaram que não existiam temperos mais fortes no mercado. Naquele momento, a gerente de marketing da primeira empresa nacional a lançar uma linha exclusiva para negros, a Nazca Cosméticos, Veronica Wolff, em entrevista para a Revista Época, creditava a este público a responsabilidade por 13% de todo o faturamento da corporação.
Em outro levantamento, a pesquisa feita pelo Data Popular aponta que já em 2007 o rendimento anual dessa classe econômica específica estava em torno de R$ 337 bilhões, passando a R$ 554 bilhões em 2010, com crescimento de 38%. Atualmente, os últimos números apontam para uma movimentação rente à R$ 800 bilhões ao ano.
Portanto, uma vez aceita a mudança geral no comportamento do consumidor de massa, que deixou a passividade e passou a buscar pertencimento, e colocando como coadjuvante as diferenças de classes, podemos interpretar o afroconsumo sob o viés do conceito de “cauda longa”, bem difundido por Chris Anderson em seu livro “A Cauda Longa (2006)”, que afirma que nichos/demandas personalizadas são características deste novo momento de consumo.
Parafraseando a professora norte-americana, Sonya Grier, especialista em raça e etnia no mercado “O marketing direcionado é a base de uma estratégia de marketing eficaz e é movido pelo reconhecimento de que uma abordagem “indiferenciada” não funciona mais entre consumidores diversificados e sofisticados”. Este novo consumidor anseia por uma construção de relação.
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