Por Isadora Santos
Abordagens buscam compreender o que é ser mulher preta na diáspora africana
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A celebração do Julho das Pretas também traz debates importantes sobre movimentos que representam as lutas das mulheres negras no que diz respeito às particularidades que ser preta e ser mulher no Brasil significam.
Nesse contexto, muitas mulheres negras têm se perguntado se o feminismo negro realmente as contempla, questionando se não seria este um desdobramento de um feminismo pensado por mulheres brancas que está sendo criado para incluir e abranger as vivências das mulheres negras na diáspora.
É importante destacar que há anos, pensadoras negras como Lélia González têm se debruçado sobre os temas para entender como eles colaboram com o fortalecimento da comunidade negra a partir de sua maneira de pensar e ver o mundo.
A psicanalista e antropóloga Jaque Conceição, fundadora do Coletivo Di Jeje, um Centro de Pesquisa e Formação sobre Feminismo Negro, explica que não existe um feminismo branco que se oponha ao feminismo negro. “Não é um binarismo ‘branco x preto’, mas são lugares políticos, culturais, filosóficos e históricos diferentes que produzem perspectivas teóricas diferentes. Esse é um marcador do que a gente pode entender por uma ideia de um feminismo ocidental e um feminismo negro. Que não se aplica à África”.
Mas o que é o feminismo negro?
Conceição descreve que o feminismo negro é uma teoria produzida nos EUA a partir dos anos de 1930 e que começa a ser pensado no Brasil a partir de 1980 com Lélia González. “É Lélia Gonzalez, a partir da antropologia, quem funda as discussões do feminismo negro ao apontar que existe dentro dos estudos culturais e raciais do Brasil uma categoria chamada ‘mulher negra’ e que é uma categoria conceito, porque tem características próprias, inclusive, dentro da construção da relação social da nossa sociedade aqui no Brasil”, explica.
As abordagens feitas por teóricas do feminismo negro contribuem com elementos que ajudam a população a entender o processo de colonização que trouxe povos africanos para as américas e que mantém seus descendentes até hoje em lugares subalternos. “A contribuição do feminismo negro é a partir de uma experiência negra, que é a experiência das mulheres negras, e hoje com os estudos de masculinidade dentro do campo dos estudos do feminismo negro, ajuda a entender qual é o lugar histórico, economico, político, emocional e racial das pessoas negras na sociedade americana, seja ela qual for dentro da sua especificidade”, define a antropóloga.
Mulherismo africana: outra abordagem
O termo ‘mulherismo africana’ foi cunhado pela norte-americana Cleonora Hudson-Weems em 1987 e tem como objetivo avaliar a realidade de mulheres negras a partir de critérios próprios. Aza Njeri, filósofa e doutora em literaturas africanas, afirma que “para entender o mulherismo africana precisamos entender a afrocentricidade, que é uma abordagem epistemológica que coloca no centro da análise dos fenômenos a experiência da população negra”. A professora afirma que “o mulherismo africana é uma perspectiva afrocentrada de olhar para as experiências de mulheres negras dentro de uma luta anti-maafa (holocausto negro). É o movimento de sankofa para entender as nossas práxis matriarcais, em primeiro lugar, mas não só, pensando sempre a resistência, a permanência e a continuidade”.
Ao ser questionada se o mulherismo pode ser uma forma de emancipação das vivências impostas por sociedades ocidentais e pelo colonizador, Njeri reitera que o mulherismo africana apresenta uma noção de levante de dignidade, que não está diretamente ligado às noções neoliberais de empoderamento e emancipação, mas que dentro dessa perspectiva pode ser vistos desta maneira.
Para a professora, doutora em filosofia africana, Katiúscia Ribeiro, o mulherismo africana propõe um lugar para pessoas pretas se pensarem com base em teorias afrocêntricas. “Mulherismo africana é, em suma, uma proposta de lugar: qual lugar as pessoas de
descendência africana devem partir para pensar suas realidades, uma vez que sua teoria está alicerçada em bases afrocêntricas”, detalha.
“Mulherismo africana não é identidade, assim como feminismo também não é”
Com diferentes abordagens e fundamentações, o feminismo negro e o mulherismo africana contribuem significativamente para o desenvolvimento de novas possibilidades de experienciar o que é ser mulher negra no Brasil e que lutas, dores e alegrias contemplam esse grupo e seus pares.
“Mulher negra é uma possibilidade de compreensão da vida social brasileira, um outro óculos para olhar para essa realidade. A Patrícia Hill Colins, que é um dos grandes nomes para pensar o feminismo negro nos dias de hoje, vai dizer que o feminismo negro tem produzido ao longo da história, possibilidades de lugares seguros para que pessoas negras, homens e mulheres, das mais diversas idades e orientações de gênero, possam vivenciar sua experiência racial porque essa é a experiência fundante do sujeito negro nas américas”, conclui Jaque Conceição.
Aza Njeri faz questão de ressaltar que “Mulherismo africana não é identidade, assim como feminismo também não é”. Njeri afirma que o mulherismo é uma abordagem de localização. “Se dizer feminista é muito limitador para o pluriverso do que é ser, mesma coisa mulherista e mesma coisa para os ‘ismos’ e ‘istas’ que possam existir. Nós enquanto seres humanos somos muito mais do que qualquer teoria ideológica, então para mim enquanto teórica, se dizer mulherista não quer dizer nada. Porque você tem que ser uma pessoa ética, uma pessoa aquilombada, uma pessoa que se nutre do mulherismo africana, também, assim como deveria se nutrir de teorias plurais e com seu próprio crivo crítico decidir o que é e o que não é, mas não tomar isso como identidade porque é muito limitador”, finaliza a professora.
Ao ser questionada sobre qual abordagem representa melhor a realidade das mulheres negras no Brasil, a filósofa Katiúscia Ribeiro pondera: “Vai depender do ponto de vista e localização que enxerga o mundo. Vivemos até os dias atuais sempre espelhados a partir da cultura do outro ou mesmo a partir do desenho que fizeram de nós. Quem sabe, olhar para frente (se) nos espelhando nas experiências (organizativas, sociais, políticas do passado pensadas por mulheres pretas gestando possibilidades de garantir a vida do povo preto em um momento de extrema vigília e controle) pode ser caminho possível para nos reconstruir enquanto humanos. Nossa cultura é o nosso sistema imunológico e nela estão contidos todos os elementos para nossa libertação, sobretudo mental”.
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