Com a carreira marcada por sucessos como Miss Beleza Universal e a versão feminista da música Mulheres, que tem a versão original conhecida na voz de Martinho da Vila, a cantora, compositora e empresária Doralyce, acaba de lançar seu novo álbum, Dádiva, o quinto de sua carreira. Passeando pelos temas políticos que fazem parte de sua trajetória, ela demarca pontos importantes sobre viver nos tempos atuais, com uma análise de conjuntura política, reflexão sobre liberdade afetiva e sexual das mulheres, responsabilidade afetiva e apontamento de caminhos a seguir enquanto sociedade.
Para Doralyce, conseguir lançar Dádiva é motivo de gratidão. “Eu me sinto grata ao Universo porque eu precisava sair dessa pandemia com saúde mental”, reflete a cantora, que deseja ser cada vez mais reconhecida por seu trabalho na música.
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“Eu escrevi canções que têm uma representatividade muito grande para as mulheres. Todo 8 de março eu vejo as mulheres cantando minhas músicas na rua. Seja a versão feminista de “Mulheres”, seja “Miss Beleza Universal”. Depois, com as insatisfações com o governo, todas as mnifestações cantam “Vamo Derrubar o Governo”. Eu vivo uma dicotomia. Faz quatro anos que todo ano minha música toda no BBB, nos protestos e nas festas, e ao mesmo tempo, a maioria das pessoas não sabe quem eu sou”, pondera.
“A minha mensagem chega nas pessoas, mas por mais que a mensagem chegue, tem gente que não sabe nem o meu nome, não sabem quem é Doralyce. Tem gente que acha que eu me chamo Miss Beleza Universal. Vocês acham que a minha mãe ia me registrar com esse nome?”, brinca.
Boa parte das cançoes de visibilidade de Dora trazem a marca dos posicionamentos políticos da compositora, mas não é só sobre política que ela gosta de escrever e cantar. “Eu não falo só de política. Na verdade eu tenho muito mais músicas de amor, de sofrência, mas o discurso que me cabe, a roupa que me cabe é uma roupa emancipacionista”, explica.
No entanto, para ela, o contexto em que as populações negras, indígenas, LGBTQIAP+ vivem no Brasil não permitem que se ignore toto o contexto. “Eu queria estar fazendo outra coisa, mas só que a gente é assassinado todos os dias, perseguido no supermercado, a gente perdeu. O Estado declarou guerra contra a sociedade civil quando matou Marielle Franco em 2018. Aquilo ali foi o estado falando pra gente que não importa se você vai atravessar o racismo, o machismo, a lesbofobia, a vulnerabilidade, o tráfico de drogas. Mesmo que você atravesse tudo isso, você ainda vai levar cinco tiros na cabeça por defender os Direitos Humanos, se você tiver um projeto que pense em melhorar a vida das pessoas. Eu aho que essa ruptura, essa quebra de contrato social, acontece desde que a gente não tem perspectiva de futuro”, avalia.
O DISCO
Dádiva tem 13 faixas e começa com Terreno Fértil. que faz uma análise de conjuntura do cenário do Brasil de 2022. A última faixa do disco, “Batida Salve Todes” é um encaminhamento, uma proposta de ação a partir desta análise.
“Em Terreno Fértil eu falo tudo o que eu vejo que precisa mudar na sociedade, e encerro com Batida Salve Todes, que é uma música que faz alusão a uma brincadeira de infância, que uma hora uma pessoa bate e salva todo mundo, que é o nosso sonho. A gente sonhou, inspirados na história de Jesus, que um sacrifício humano salvaria toda a humanidade. Mas a gente tem sacrifícios humanos todos os dias e essa sociedade não mudou”.
“Batida Salve Todos é uma brincadeira, dizendo que eu sei que o mundo tá se acabando, mas eu já cheguei e bati na parede. Tá todo mundo salvo. E como a gente se salva? E eu digo: Apague a velha ordem do recinto. Apague essas ideias”.
Para Doralyce, em uma sociedade de leis injustas, cumprir a lei não é, necessariamente, fazer a coisa certa. Esta é a mensagem de Batida Salve Todes. “A gente vive uma legislação punitivsta, misógina, que não deixa a mulher ser dona de seu proprio útero, que cria mecanismos para o encarceramento da população preta, que cria mecanismo para exclusão e apagamento das populações indígenas. Vem cá, a gente vai cumprir a lei? Aí, nesta faixa, eu proponho a desobediência civil”.
“Eu sou bandida e minha lei é um contatinho em cada cidade”
Caminhando para o lado mais voltado para as experiências afetivas e sexuais, “Leve e Gostoso” fala de ser transparente nas relações. “Nessa música eu falo sobre responsabilidade afetiva. As pessoas acham que é só p*taria. Mas não é. É sobre ‘nenhum acordo sai caro’. Se você se abre para a pessoa e fala sobre quem você é de verdade, a pessoa sabe com quem ela está se relacionando. O que é injusto, o que é cruel, é você mentir e enganar a pessoa, fazendo ela acreditar em uma coisa que não é verdade. É uma música onde eu chamo as pessoas a serem honestas”, avalia.
Além de cantora e compositora, Doralyce é empresária na Colmeia 22, um projeto que trabalha com artistas em situação de vulnerabilidade. “O trabalho com a Colmeia é feito com artistas que estão à margem desse mercado. Pessoas que a gente trabalha para introduzir no mercado e fazer com que esses artistas se revelem”, explica.
Este trabalho também foi desafiador para Dora durante a pandemia. “Além de acreditar em mim, eu tinha que acreditar nessa galera toda e dizer, ‘vamo, galera, vai dar certo'”, relembra. “Todo mundo ficou numa situação muito difícil durante a pandemia e dizer pra essas pessoas não desistirem quando eu estava pensando em desistir, eu não sei de onde eu tirei força”, relembra.
Como saldo do trabalho como cantora, compositora e artista, fica as transformações feitas nas vidas de outras mulheres. “Sair na rua e ver as pessoas vestida de “Miss Beleza Universal”, ver a galera de faixa, ver mulher gorda botando piercing no umbigo, e ver mulheres separando de relacionamentos abusivos porque ouviram a versão feminista de ‘Mulheres’ e sabem que não precisam passar por isso. Tudo isso é muito revolucionário”, conclui.
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