BLACK ID: “A gente é ancestral de quem estar por vir”, diz a apresentadora Xan Ravelli

Por Rodolfo Gomes, em parceria com Victória Gianlourenço

Filha de dois pretos, Dona Filó – nascida no interior de SP – e Seu Edgard – nascido no interior de MG -, Xan Ravelli nasceu e cresceu em São Caetano do Sul, cidade na qual reside ainda hoje. Xan nasceu Alexandra. O nome artístico vem de família e as pessoas que ela mais ama a chamam assim. Apaixonada por música e por tudo que envolve o povo preto, cresceu ouvindo Gilberto Gil, Giovana, Nina Simone (pianista como ela), Racionais MCs. Esses foram alguns entre tantos que contribuíram com a construção da sua identidade.  “Para mim, as maiores genialidades da nossa música são pretas”, contou.

Assim como eu, a Xan acordava ouvindo o barulho da máquina de costura de sua mãe, e é incrível o quanto essa memória é afetiva pra gente. Às vezes, me lembro até do cheiro do óleo de máquina que ficava no ar.  Conversar com a Xan me fez entender e perceber muitas das atitudes da minha mãe, que assim como ela, é uma mulher preta, feminista, empreendedora e que sempre acreditou em cada um dos sonhos de seus filhos.

Dona Filó sempre trabalhou para fora, costurando e tricotando, enquanto Xan brincava no chão de sua oficina. “Pra mim o barulho da máquina da minha mãe era o melhor som do mundo. Acordava e ia dormir com esse barulho”.

Já seu Edgard trabalhava fora o dia inteiro, e o tempo que tinha dedicava aos filhos. A sua maior lembrança da infância é sobre ele chegando do trabalho e colocando-a no banco do passageiro, para guardar o carro na garagem. Apaixonado por leitura e pela história do povo negro, foi ele quem sempre contava a história dos grandes heróis do povo negro, como Besouro, Zumbi, Fela Kuti, entre outros. 

Ser negro sempre foi um motivo de muito orgulho dentro de sua casa. Sua mãe reforçava positivamente seu cabelo afro, e sempre a incentivou a deixar o cabelo natural. Seu cabelo e sua cor sempre foram motivos de elogios dentro de casa. Contudo, o letramento em relação ao racismo estrutural e suas nuances veio um pouco mais tarde. “Eu não entendia o racismo na escola, achava que o problema era sempre comigo, e acabava sofrendo muito em silêncio”, desabafa.

Apaixonada por música e pessoas, Xan cursou magistério e formou-se em musicoterapia com pós-graduação em comportamento psicodiagnóstico. Durante sua carreira, trabalhou com crianças que sofreram abuso sexual e em situação de abandono.  Com o nascimento de sua primeira filha, Jade, optou por mudar de ares, e seguir juntamente com seu esposo Paulo, no segmento de consultoria de bares e restaurantes. 

Juntos, ampliaram a empresa, trabalhando com eventos, mas como uma ávida consumidora de tecnologia e redes sociais, uma noite conversando com Paulo sobre a falta de representatividade negra, veio a ideia de criar uma página no Facebook e um canal no Youtube, onde ela pudesse ser mais uma cara preta para inspirar outras pessoas, além de explorar os temas que tanto amava. Foi assim que nasceu o Soul Vaidosa, um canal com quase 70 mil inscritos que fez Xan perceber o quanto a história de muitas mulheres pretas eram também a sua história.

Dos 6 aos 14 anos, seu sonho era ser astronauta, mas quando percebeu que mexia muito com física acabou desistindo dessa ideia e começou a tocar piano clássico. Mas Dona Filó que sempre disse que era preciso ficar atento aos sinais dos filhos quando pequenos, achou um vídeo seu com 5 anos nas bodas de ouro dos avós apresentando a festa em frente a filmadora.

E não é que Dona Filó estava certa? 

Hoje, Xan é uma das maiores apresentadoras negras do Brasil. À frente do Trace Trends, uma parceria entre Trace Brasil, Multishow e Globoplay, ela dá um show de competência, simpatia e conteúdo, no programa semanal sobre cultura brasileira e afrourbana. “A Trace foi um presente pra mim, tem sido uma trajetória muito incrível com uma equipe muito maravilhosa”, contou.

Quanto recebeu a ligação, com o convite para apresentar o Trace Trends, Xan revela que caiu no chão, ajoelhou e chorou. Afinal, há pouco tempo ela havia sentido uma vontade enorme de fazer televisão, porém era um sonho a longo prazo e não para agora. “Deus leva mais a sério todos os meus planos e sonhos do que eu mesma”, confessou.

Ela nos conta que existem ainda muitos projetos vindo. Além do programa semanal, e de fazer parte do Projeto Vozes Negras, tem dado foco para o seu canal no Youtube, onde tem pensado em projetos que abordem temas como maternidade e família. “Quero trazer esses temas para o lugar de naturalidade, normalidade. Hoje mais que nunca sabemos que temos um corpo político e que nossa beleza é guerreada, conquistada.”

Toda essa vaidade vem desde a infância, sua mãe sempre foi uma mulher muito linda e vaidosa, ela deixava experimentar os saltos, perfumes e roupas, incentivando sua vaidade. Para ela, era muito natural gostar de cabelo, maquiagem, unha, roupa, e isso atuou no reforço da sua autoestima, além de ser um assunto sobre o qual Xan ama falar.

Além do reforço da beleza negra, junto com a maternidade veio a vontade de lutar por representatividade. “Eu nasci de novo junto com meus filhos, entendi a importância da nossa voz, se nós não gritarmos ninguém vai gritar por nós”, disse.

Por isso, Xan que muitas vezes é uma pessoa que gosta de se recolher e refletir sobre muitas questões em silêncio, optou por lutar ao invés de fugir, trabalhando em seus filhos todas as questões de letramento de inclusão e racismo estrutural

“Eu sempre gostei muito de apresentar os trabalhos de escola, de falar, explanar. Mas também gosto do silêncio, de me voltar para mim, de meditar e principalmente de autoconhecimento”. Conta.

E junto com o autoconhecimento, nasceu também a Oficina Amarela, um projeto de 2021 que se traduz numa escola de desenvolvimento pessoal a partir da inteligência emocional. Atendem grupos de mulheres, online e de forma gratuita. E já impactou a vida de mais de 200 mulheres do começo do ano até aqui. 

Para ela, existem muitos jeitos de militar, todos tem seu papel, e precisamos ter consciência disso para continuar evoluindo. “A gente é ancestral de quem estar por vir. E cada um tem seu papel”, finalizou.

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