Muitos anos atrás eu estava sentado em uma lanchonete perto da faculdade e um rapaz, aparentando 23 ou 24 anos gritava com uma garota. Eu e todos os outros homens do lugar ficamos olhando. A garota saiu chorando e o rapaz entrou na lanchonete e sentou em uma mesa onde havia outros homens esperando. A conversa iniciou e prosseguiu animada como se nada errado tivesse acontecido.
Esse é o exemplo mais brando que posso dar sem criar um gatilho em mulheres que sofreram abuso. Mas sobre como as mulheres tem lutado para acabar com o ciclo de violência que machuca e dilacera geração após geração, minhas colegas podem dissertar com muito mais propriedade e primor. Quero falar sobre a necessidade dos homens começarem a responsabilizar outros homens.
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FOTO 3X4: Rudson Martins – Produtor de Elenco
O mundo masculino tem como uma das bases um corporativismo tóxico que acena condescendente para a violência que permeia a existência do homem na sociedade. Toda vez que uma mulher é agredida e estuprada, muito se vê de promessas sobre como se reagiria se estivesse presente, mas entre amigos os abusos sutis viram graça e são perdoados como brincadeiras inocentes que não fazem parte de uma dinâmica perversa que coloca as mulheres como subalternas nas relações.
Homens precisam censurar outros homens. Precisam dizer que virar o pescoço para olhar a bunda de uma moça que passa é escroto, precisam pedir aos amigos que não comentem assoviem mais para garotas em pontos de ônibus, portas de escola. Não cabe mais deixar a educação anti-machista para mulheres. Elas já se desgastam mais tentando se defender e ainda precisam ensinar constantemente algo que já deveria ser óbvio. É como pedir para os brancos não serem racistas enquanto eles chutam a cara de pessoas pretas.
A necessidade de pertencer a uma tribo faz com que muitos de nós, homens, não tomem atitudes enérgicas diante de outro homem praticando assédio. Ainda que não se ache um assediador, concorda de forma silenciosa com o abuso dos seus. O medo de ser censurado ou de ser acusado por ações passadas fala mais alto que um princípio moral que deveria ser primário: o direito da mulher não ser violentada psicológica e fisicamente.
Esse pacto silencioso é tão enraizado que ao assediar a mulher e descobrir que essa tem um relacionamento, os homens dirigem suas desculpas para o parceiro e não para a agredida. Oras, você tem que pedir desculpa para quem feriu. Se acontecer contigo, homem, não aceite as desculpas. Peça para pedirem desculpas diretamente à sua parceira.
Apesar da homofobia latente entre em nossa sociedade, grupos de homens mantêm relações estritamente homoafetivas, ainda que não percebam. Eles têm homens como ídolos e referência em todas as áreas. Eles se escutam e se respeitam e dirigem amor aos grupos aos quais pertencem e isso tem de começar a ser usado como fonte de educação e (por que não?) constrangimento.
Se alguém questionar o abraço sem intenções sexuais em uma querida amiga, é preciso dizer “eu admiro essa mulher e ela é apenas minha amiga”. Nada de aproveitar a oportunidade para respostas evasivas que deixem no ar que algo que não está acontecendo esteja acontecendo.
Fazendo um recorte racial necessário, os homens negros necessitam ainda mais desfazer noções de masculinidade criados e construídos por um patriarcado branco que joga mulheres pretas para a última camada da pirâmide social, onde são tratadas como objetos descartáveis por homens brancos e também por homens pretos. A forma como os negros encaram a própria masculinidade precisa se dissociar da construção social histórica feita pelos brancos. Na condição de homem preto, o indivíduo precisa olhar com empatia a mulher preta, enxergar o sofrimento comum que é o racismo estrutural e a segunda dor, do machismo potencializado contra elas e que, ainda que não pareça, também atinge o homem negro.
Esse contrato torto de se manter em silêncio diante de situações violentas sai do cotidiano das conversas de bar e chega no atendimento precário que policiais dão para mulheres que chegam às delegacias para denunciar agressões. Chegam nas cortes, na decisão de juízes que não protegem as vítimas. A conivência masculina com o abuso de seus pares reverbera na morte de milhares de mulheres, na sensação de abandono que elas têm diante de leis defendidas por uma maioria de homens.Você confiaria em instituições formadas por pessoas que se calam diante da má conduta de amigos?
Homens precisam responsabilizar outros homens abertamente. Sem medo, sem autocensura, sem se isentar de responsabilidade. E isso deve se estender para além do desrespeito apenas com mulheres do seu círculo familiar.
Responsabilizar e aceitar quando responsabilizados, aprender e mudar.
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