A Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo entrega à cidade, em 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, uma estátua na Praça Clóvis Bevilácqua – face leste da Praça da Sé – que celebra a grandiosidade do legado arquitetônico de Joaquim Pinto de Oliveira (1721-1811).
O projeto da escultura em homenagem a Tebas é conceituado e desenvolvido pelo artista plástico Lumumba Afroindígena e pela arquiteta Francine Moura. A obra tem o objetivo de firmar e reverberar a expertise e modernidade do legado de Tebas, revelar de modo artístico a sua produção tecnológica sofisticada para a época e propor, acima de tudo, uma reflexão que recobra a relevância da ocupação territorial preta em área central da cidade que foi fragmentada ao longo dos séculos.
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Com sobrenome herdado da bisavó congolesa, Lumumba, 40 anos, além da ascendência africana direta, também carrega em suas veias a herança indígena. O artista autodidata multifacetado tem repertório extenso que passeia por diversos suportes das artes plásticas. Seu trabalho já ocupou espaços como Funarte, Matilha Cultural, também assinou a cenografia de óperas infantis, no Theatro Municipal de São Paulo – caso das montagens, “O Rouxinol”, de Igor Stravinsky e “O menino e os sortilégios”, obra de Maurice Ravel contemplada com o Prêmio Carlos Gomes e esculpiu personagens do desenho Madagascar para o Beto Carrero World.
“Estou muito centrado na minha carreira e tenho uma visão muito clara sobre a pujança que o meu trabalho reverbera no universo das artes e na sua representatividade afro-indígena. A cada avanço da escultura e das minhas inquietações entro em um deslocamento temporal. Perpasso toda a minha trajetória e sei exatamente aonde quero chegar e quem estará ao meu lado nessas realizações. Assinar essa obra fomenta conceitos ancestrais da minha existência que são amálgama da minha base como realizador”, expressa Lumumba.
Curiosamente, a memória e preservação já faziam parte do início da trajetória da arquiteta Francine Moura, 43 anos, mulher preta formada em Arquitetura e Urbanismo no Mackenzie. Com 20 anos de carreira, seus primeiros passos foram na conservação do painel de azulejos do Largo da Memória, quando estagiou no DPH – Departamento de Patrimônio Histórico. Francine é especialista em Projeto de Arquitetura na Cidade Contemporânea e pesquisa espaços públicos e coletivos. Também possui especialização em Educação, Relações Étnico-Raciais e Sociedade e investiga as percepções construídas sobre o corpo da mulher negra e a busca por ressignificações.
“Participar do monumento ao Tebas após convite irrecusável do meu amigo Lumumba tem dimensão simbólica muito forte para mim enquanto arquiteta negra. Contribuir para o reconhecimento do trabalho deste arquiteto nos impulsiona a seguir seu legado. Olhando para a minha produção recente, nos últimos dois anos meu amor, energia e técnica foram dedicados a projetos arquitetônicos e artísticos afro-referenciados em 99% das experiências”, reforça Francine, que também atua profissionalmente como carnavalesca, cenógrafa e diretora de arte audiovisual. Seu último projeto entregue é o da Casa Preta Hub, no Vale do Anhangabaú, no Centro de São Paulo.
Coube à paulistana Rita Teles, do Núcleo Coletivo das Artes Produções, alinhavar a produção executiva e artística do aquilombamento e, para demarcar a arte e o protagonismo negro na centralidade da proposta, compôs uma equipe com 90% de profissionais negros para a realização do monumento. “A ideia principal desta empreitada é afastar, de uma vez por todas, a aura de invisibilidade que repousava sobre a história de Tebas. Um monumento que projeta, em grande escala, a contribuição negra para a cidade em que uma criança, ao passar no local, possa se sentir representada com aquela escultura que pode remeter a um super-herói ou, simplesmente, a um homem importante que existiu e lutou dignamente por sua afirmação e espaço“, ressalta Rita.
Os autores – Lumumba e Francine – conectaram-se à fluidez das ideias e, juntos, possuem uma força potente que deságua em um rio de criatividade e expertise, seja de tecnologias, seja na arquitetura, justamente em uma cidade coberta de asfalto e concreto que guarda em seu subterrâneo mais de 200 cursos d’água catalogados pela prefeitura. O resultado dessa união entre o artista e a arquiteta é uma equação cujas variáveis convertem o atual momento dos criadores – a dupla, em suas trajetórias individuais celebram neste ano (2020), 20 anos de carreira, e criam a representatividade de um Tebas que passou por este plano há mais de 200 anos.
“A obra suspensa no ar dará uma ideia de ascensão, como se ela emergisse para fora, do período da escravidão, desse universo perverso, ao mesmo tempo em que temos a presença do high tech, que faz um contraponto ao componente perecível, da corrente de ferro comum, que ficará na base da estrutura ao inox que é um material mais contemporâneo”, contextualizam os autores.
Originário da cidade de Santos, Tebas foi trazido para a capital pelo mestre pedreiro português Bento de Oliveira Lima, seu senhor, em 1740, com exímia habilidade na técnica da cantaria, o talhar de blocos de pedras, logo passou a ser disputado pelos templos católicos, na São Paulo do Brasil-Colônia. A ideia das ordens religiosas era substituir a taipa de pilão – método construtivo tradicional – para adornar com detalhamento mais requintado as fachadas das igrejas do triângulo histórico paulistano. Ele construiu a primeira torre da Matriz da Sé (1750) e, em 1769, reforma a mesma Torre da Sé e, em feito inédito, compra a própria alforria, aos 57 anos de idade, 110 anos antes da abolição da escravidão. Os ornamentos originais dos conventos da Ordem 3ª do Carmo (1775-1778), Ordem 3ª do Seráfico Pai São Francisco (1783) e Mosteiro de São Bento (1766 e 1798) também são de sua autoria. Ele ainda construiu uma fonte pública mais conhecida como o “Chafariz de Tebas”, (1791) no Largo da Misericórdia, onde, atualmente, está o cruzamento das ruas Direita, Quintino Bocaiúva e Alvares Penteado, na região central de São Paulo.
Serviço
Obra Joaquim Pinto de Oliveira
Praça da Sé – Rua Anita Garibaldi, região central de São Paulo
Entrega – 20 de novembro de 2020
Inauguração oficial – 5 de dezembro de 2020
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