Sobre relações inter-raciais no Brasil, Joaquim Barbosa com uma mulher branca, Pelé, o poeta (hein?!) e a suposta histeria da mulher negra em se manifestar contra o sistema que a põe nos lugares-comuns mais solitários e excludentes:
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Por Fernando Sagatiba
Eu tive uma HQ da Marvel, mas com conteúdo mais sério, mais adulto onde o negro Luke Cage e a branca Jessica Jones se relacionavam, até que Jessica, ex-Vingadores perguntou se procedia a fama que o herói de aluguel tinha de ‘pegador-de-colantes’. ele explicou que se fosse advogado, iria se relacionar com advogadas e se fosse artista, ia estar com artistas, logo, se o meio onde ele convive é de heroínas de colantes, ele ia chegar nesse ‘público’, sei não, mas achei muito pertinente ao abordar a questão de homens negros em ambientes onde somos minoria, tipo classes mais abastadas, diferente do modus-operandi ‘conquistei um troféu de ascensão social’ aplicado aos jogadores de futebol e pagodeiros de um modo folcloricamente geral.
Mas é inegável a condição da mulher preta, de desfavorecida nas relações, em geral, pois a equação social demonstra que a maioria da população é de mulheres e a maioria da população é negra, ou seja, maioria de mulheres negras. Ponto. Aí, percebemos que a sociedade é racista e machista, ou seja, favorece brancos e homens. Donde se conclui que, se é o homem e o branco que têm o privilégio de serem ‘normais’, a mulher negra vai direto à base da pirâmide das relações sociais. Não acho histeria alertar o povo sobre esses paradigmas, concordar com isso seria aceitar que sou paranoico e vejo racismo em tudo quando escrevo sobre o assunto, por exemplo. A questão não é sobre amor, é sobre construção social da visão que achamos ter criado sobre o outro, de onde saem as preferências, das opções criadas e oferecidas, sobretudo num tempo em que a mídia alcança a todos os lugares e muito mais gente do que antes. Isso não nasceu com o próprio universo, foi construído em capas de revista, filmes, novelas, comerciais, etc.
Adivinha quem estava lá nas senzalas sendo procuradas como objetos de prazer e ainda recebia a culpa por desencaminhar maridos e filhos de família? E de lá pra cá virou sinônimo de insaciável sexual, barraqueira, globeleza e dona da cozinha? Construções sociais do inconsciente popular nos fazem acompanhar a ficção mostrando o ‘dia-a-dia’ de gente milionária e achar que isso é o certo, pra compensar nossa própria pobreza, negros em seu lugar exótico de servidão e alívio cômico, homem negro viril, protetor e reprodutor, homem branco, homem dócil e seguro financeiramente, carinhoso e mulher branca, a mulher de família, a mulher pra se apresentar à família, a mulher negra, aquela sempre pronta pro sexo, uma iguaria que dali, só pode cuidar de casa, dos filhos e sambar ou dançar pagofunk. Não adianta negar esses estereótipos com “ah, mas eu conheço um ou dois casais diferentes…”, pois, isso aqui não é sobre histórias particulares, é sobre a vida pessoal de quem precisa enfrentar todo dia um estigma e ainda lidar com as pedras no caminho do desafio principal em forma de “você reclama à toa”.
Não concordo com N argumentos sobre muita coisa, mas tento olhar pelo lado de quem reclama antes de dizer que é um manifesto em vão (o que me vale sempre a alcunha de ‘diplomático’, mas tudo bem, eu sou mesmo). Se cada dia saíssemos às ruas pra lutar por uma ‘pequena causa’ de grupos específicos, teríamos muito mais efeitos positivos – e afirmativos – para todos do que tentando brecar o protesto alheio porque não abrange toda a galáxia, numa falsa argumentação por justiça pra todos (tipo, querer tudo e conseguindo nada). O problema no Brasil é social… racial, sexual, moral, de construção social de estereótipos que só facilitam a classe rica, mas reduz o poder de contestação da maioria pobre e preta, que ao invés de se unir, fica disputando a tapa afagos ‘bom garoto!’ de quem vive de sua exploração.
* Fernando Sagatiba é jornalista, músico, colunista do site Mundo Negro e ainda comanda o blog Divagar é preciso