Mundo Negro

⁠”Coisa de Rico” e as bolhas sociais que sustentam o privilégio no Brasil: Reflexões sobre o livro de Michel Alcoforado

Foto: Divulgação

O livro “Coisa de Rico”, de Michel Alcoforado, oferece uma análise profunda e provocadora sobre a mentalidade, os códigos sociais e os privilégios que moldam a elite brasileira. A obra desmistifica o conceito de meritocracia e expõe as estruturas históricas, econômicas e raciais que sustentam as desigualdades no Brasil, desmontando o discurso de que a ascensão social é fruto exclusivo do esforço individual.

Alcoforado contextualiza essas discrepâncias desde o período colonial, quando a sociedade brasileira foi estruturada sobre bases escravocratas e patriarcais. Essa herança não apenas definiu quem detém o poder e os recursos, mas também perpetuou barreiras simbólicas e práticas que garantem a manutenção dessas estruturas de privilégio.

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Um dos pilares explorados pelo autor é a questão racial, um elemento intrínseco e determinante na composição dessa elite. Para além da riqueza material, a noção de pertencer a esse grupo social — ou, como colocado por Alcoforado, “ser dele” — envolve códigos de comportamento, traços físicos, sobrenomes e acessos que estão, historicamente, vinculados a um padrão branco e europeu. Essa realidade evidencia como, em muitos casos, o discurso de “igualdade de oportunidades” não passa de uma narrativa conveniente.

Alcoforado ilustra como a elite brasileira limita e filtra o acesso a seus círculos, utilizando não apenas o capital econômico, mas também símbolos de pertencimento que excluem os corpos e histórias que não se alinham aos seus. Pessoas negras e de classes sociais menos privilegiadas enfrentam barreiras que vão desde processos seletivos enviesados até a constante necessidade de comprovar legitimidade em espaços nos quais sua presença é uma exceção.

Para mim, em minha atual posição profissional, a leitura ressoou de uma forma muito particular. Me deparei com a certeza de que “eu não sou uma deles”: não tenho as melhores roupas, não moro nos melhores bairros, não tenho o sobrenome, o mestrado ou o doutorado na University X ou Y. Sinto na pele a dificuldade de furar bolhas, uma barreira que se agrava ainda mais pelas lentes da raça e do gênero. Você pode estar se perguntando: isso acontece no Terceiro Setor? Sim, aqui mesmo, um ambiente que depende do Primeiro e do Segundo Setor, onde quem se destaca e consegue circular com fluidez e certeza de continuidade dos projetos vem “deles” ou é “apadrinhado” por eles.

A raça como código social de exclusão

No Brasil, ser “de rico” não é apenas ter dinheiro, mas circular e ser aceito por um grupo que historicamente se construiu em torno da herança branca e elitista. Michel Alcoforado explora características como tom de pele, sobrenome e formação educacional preferencialmente em instituições internacionais de prestígio que operam como marcadores de inclusão neste grupo. Enquanto isso, indivíduos negros e periféricos são frequentemente invisibilizados ou enfrentam um isolamento que transcende o aspecto econômico, abrangendo valores simbólicos e culturais.

O livro aponta que a “bolha” descrita pelo autor não é permeável pelo mérito individual. Pelo contrário, o acesso é restrito por critérios que remontam a séculos de desigualdade institucionalizada. Para quem vive fora da bolha, o caminho não apenas é mais árduo e solitário, mas também está repleto de obstáculos que exigem esforços contínuos de adaptação e resistência.

Um convite à reflexão e ação

“Coisa de Rico” é muito mais do que uma observação sobre a elite econômica brasileira; é um estudo sobre privilégios, exclusão e as dinâmicas de poder que moldam a sociedade. Michel Alcoforado nos lembra que repensar essas dinâmicas é essencial para a construção de um país mais justo e igualitário. O livro não apenas questiona quem detém o poder, mas provoca os leitores a refletirem sobre o papel que cada um desempenha nesse cenário.

Para quem busca compreender como raça e classe se entrelaçam na criação das desigualdades no Brasil, esta é uma leitura imprescindível. A obra provoca discussões essenciais para que as estruturas sejam não apenas analisadas, mas desafiadas. Afinal, o verdadeiro progresso exige uma tomada de consciência e ações concretas para romper com as bolhas sociais que Alcoforado tão bem descreve.

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