Segundo levantamento feito pelo Sebrae, com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), os negros correspondem a maioria dos empresários do pais. Confesso que nunca enxerguei toda essa beleza nesse dado e quando detalhei a pesquisa, a decepção foi maior ainda. Sim, somos a maioria entre os empresários no Brasil e ainda assim nossa renda corresponde à metade do empresário branco. Infelizmente os negros empreendem em setores de menor lucratividade e muitas vezes sem planejamento, é o famoso “empreendedor por necessidade”. Esse número também traz consigo outro aspecto, se os negros estão empreendendo por necessidade, muitas vezes é porque perderam os seus empregos formais e precisam sobreviver.
Gradativamente esses números tendem a melhorar, considerando que muitos jovens negros enxergam o empreendedorismo como ferramenta de mudança social e estão seguindo por este caminho com mais preparação técnica. E começo a pensar nas estratégias que estamos utilizando para manter a circulação deste dinheiro dentro da nossa comunidade e nos empoderar economicamente, esse movimento é popularmente conhecido como “black money”. Sempre que pensamos neste assunto, rapidamente existe uma associação à comunidade negra americana e o seu poder de decisão.
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Entendo que o processo pós escravidão nos Estados Unidos foi totalmente diferente ao nosso, mas uma pergunta não sai da minha cabeça: Porque ainda não temos um “banco negro” aqui no Brasil? Os afro-americanos contam com várias opções de bancos fundados e presididos por empresários negros. O OneUnited Bank é o maior deles, foi criado exatamente com o intuito de mensurar o poder de compra da população afro estadunidense e canaliza-lo para gerar empregos, construir negócios e aumentar a riqueza.
Mesmo com todos os possíveis questionamentos, lá eles utilizam o poder econômico como uma ferramenta de protesto. Recentemente após as constantes mortes de jovens negros americanos, criou-se um movimento chamado de BankBlackChallange. A ação tem como objetivo gerar migrações econômicas, ou seja, os negros movimentavam seus investimentos de “bancos brancos” para os “bancos negros”.
Este movimento contou com a adesão de negros famosos, como os cantores Usher, Killer Mike, Solange Knowles. Outro exemplo, foi o aumento na venda de camisetas do jogador Colin Kaepernick nas lojas da NFL. O atleta ficou mundialmente conhecido depois que se recusou a levantar para cantar o hino americano em protesto à opressão aos negros. E sempre me questiono, porque não fazemos o mesmo por aqui onde somos a maioria numérica da população?
Hoje trabalhamos com um modelo que eu chamo de Black Money à brasileira, que funciona baseado em dois fundamentos: “Se não me vejo, não compro (sem boicotes pesados)” e “Compro de afroempreendedores para fortalecer os seus negócios”. Sou adepta ao movimento, mas acredito que podemos ir além. Segundo a consultoria Etnus, especializada no estudo de perfil dos consumidores negros, a população negra movimenta anualmente algo em torno de 800 bilhões de reais. Será que estamos realmente nos empoderando, economicamente falando?
Trabalhei por anos em uma empresa multinacional que tinha uma listagem de 7 “mandamentos”, destaco aqui um que sempre me chamava a atenção, “Quem não tem inteligência para criar tem que ter coragem para copiar”. Não, não trouxe esta referência com o intuito de subestimar a nossa inteligência, mas confesso que como comunidade poderíamos “hackear” algumas estratégias de empoderamento econômico existentes pelo Mundo afora.
Particularmente gosto bastante da história do Muhammad Yunus, economista indiano e ganhador do Prêmio Nobel da Paz (provando que o capitalismo nem sempre é um bicho papão). Yunus, fundou o Grameen Bank e de outras 50 empresas em Bangladesh, a maior parte delas como negócios sociais. Seu negócio começou com microcréditos para pobres, sem as mesmas exigências e garantias, impostas pelas instituições financeiras locais. Sete anos mais tarde, tornou-se um banco oficial, atendendo principalmente mulheres na zona rural de Bangladesh e desembolsa mais de 1,5 bilhões de dólares por ano.
Estamos passando por um momento onde questionamos o nosso real papel na sociedade, principalmente do ponto de vista do consumo, onde também estamos vivendo um momento de transição e aprendendo como exigir do mercado uma postura mais comprometida. Considerando estes fatores está surgindo no Brasil uma nova modalidade de empreendimento, mais responsáveis e interessados no impacto positivo na sociedade, os chamados negócios sociais.
Segundo a Artemisia, organização pioneira na disseminação e fomento de negócios sociais no Brasil, hoje existe aproximadamente 5 mil empresas atuando com este conceito. Eis que surge um outro questionamento, será que a maioria é gerenciada ou foi fundada por negros? Tenho frequentado alguns eventos com essa temática e encontro pouquíssimos e me questiono se estamos perdendo a voz até mesmo quando somos o objeto do negócio?
É preciso superar algumas mazelas e precisamos aprender a falar de dinheiro, sim. Sem julgamentos, acusações, submissões e culpas. Precisamos engrossar a nossa voz, ocupar todos os espaços e pensar em estratégias, para pararmos de pensar no Black Money de maneira tão distante e utópica. Acredito que neste momento ainda não existam receitas de sucesso para solucionarmos as questões financeiras da nossa comunidade, mas creio que seguir pelas vias dos negócios sociais é uma boa opção, considerando a movimentação econômica e o impacto a ser gerado como um todo.
*Fernanda Ribeiro é uma das fundadores e vice-presidente da Associação Afrobusiness Brasil. Formada em turismo e pós graduada na área de comunicação corporativa. Atuou em empresas multinacionais do segmento aéreo nas áreas de qualidade, experiência do cliente, treinamento e comunicação interna. Dedica-se também ao desenvolvimento de ações e programas para fomento da diversidade, inclusão econômica e social relacionados às temáticas de gênero e étnico-raciais.
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