Resumir o caso da espetáculo Dona Ivone Lara – O Musical, em uma perseguição à cantora Fabiana Cozza, não é só desonesto como diminui a importância do que realmente essa questão representa, que não é a atriz, intima da saudosa sambista, mas o desejo que a comunidade negra tem de ver tons mais escuros nas telas. Pantera Negra está aí para provar o fascínio que uma representatividade coerente desperta em grupos que carecem de visibilidade. Quando imaginamos Dona Ivone Lara, ela é uma senhora de pele retinta, então era óbvio que escalação de uma pessoa de pele clara, causaria confusão.
O jornalista (branco), Tony Goes, que escreve sobre entretenimento em seu blog no Portal UOL e que se acha um especialista em questões negras, por algum motivo que desconheço, é também muito entendido em colorismo e militância negra. Pelo menos é o que ele acha no seu texto O colorismo precisa ser combatido, mas não às custas de Fabiana Cozza. E antes de dizerem que meu texto é de uma militante raivosa, eu já esclareço: não sou militante, nem raivosa, sou jornalista diplomada, e só estou fazendo o que Goes fez, emitindo a minha opinião calmamente.
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Vejamos o que ele disse sobre as pessoas que se parecem comigo e que, como todas as outras, não negras, fazem comentários no Facebook:
“Todos esses militantes não sabem o que é teatro. Acham que uma peça precisa reproduzir em detalhes a vida real, e que um ator só pode interpretar a si mesmo. São de uma ignorância espantosa. E também são burros, com o perdão da má palavra. Porque esse tipo de atitude, ao atacar quem já é aliado, prejudica a luta de todos. A causa é justa, mas o alvo é errado. O inimigo é outro, e está dando risada de nos ver tão divididos.”
Burros? De ignorância espantosa? Não sabem o que é teatro? Só faltou dizer que nosso “mimimi” é coisa de preto.
Esse é um flagrante de preconceito explícito. Alguém tem dúvidas? Não somos inteligentes, não sabemos de teatro? No que ele se baseia para tirar essas conclusões?
O jornalista subestima a intelectualidade negra e ainda se acha o mentor, quando nos orienta o que devemos fazer enquanto o verdadeiro inimigo ri de nós.
É importante pontuar fatos históricos, como o de que negros ainda sofrem as sequelas da escravidão de forma cotidiana em algumas camadas e o direito ao voto, nos foi dado em 1934. A nossa falta de representatividade política, não é acidente. Quantos colunistas negros você conhece? Poucos, provavelmente. Isso também é fruto de questões históricas onde a opinião da comunidade negra nunca teve relevância.
A Internet veio para mudar esse cenário. Para quem sempre teve a mídia para tratar dos seus “mimimis”, ver outros grupos ganhando vozes, e sobretudo, dizendo coisas que grupos privilegiados não dão importância, como o colorismo, qualquer parágrafo é uma histeria.
Goes subestima o conhecimento e a propriedade que a comunidade negra tem em tratar dos assuntos que ele nem tinha que dar palpite. Poderia ter se limitado a elogiar as competências da Fabiana, aspectos técnicos do musical, sem ofender que não concordou com a escalação dela.
A mídia brasileira parece se divertir com o engajamento e alcance que textos e vídeos relativos a questões raciais obtêm e fazem uma análise muito preguiçosa, ou talvez maldosa mesmo para apontar as pessoas negras que usam a internet para emitir opinião, como extremistas, radicais, politicamente corretos ou a turma do mimimi.
A respeito dos negros brigarem entre si, sinto dizer que essa é uma característica de várias etnias. Quem lê esse tipo de artigo do Goes e alguns textões das redes sociais, pensa que o Brasil é uma terra de paz e harmonia, e os “militantes negros raivosos”, apareceram do nada para acabar com esse paraíso. O que tem se tentado acabar é com falácia da democracia racial, que sempre foi fator silenciador da comunidade negra, limitando nossa liberdade de expressão, nos fazendo passar por pessoas sem controle emocional.
É uma pena, de verdade, que Fabiana Cozza tenha que sofrer com toda essas discussão e exposição, porém, essa questão não é sobre ela ou seu incontestável talento e respeito dentro da comunidade negra. Nunca foi.