Texto: Hédio Silva Jr.
Adotado em 25 de junho de 1850, o Código Comercial equiparava a pessoa escravizada a semovente, a animais: “Art. 273. Não podem, porém, dar-se em penhor comercial escravos, nem semoventes.”
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Esse dispositivo do Código Comercial atravessou todo o período republicano, tendo sido revogado somente em 2002, pelo novo Código Civil. Diz muito sobre o racismo no Brasil o fato de que até bem pouco tempo havia lei federal que qualificava os escravizados, e obviamente seus descendentes, como animais.
Não é só: a Constituição republicana de 1891 assegurava o direito ao voto mas excluía os analfabetos e mendigos: “Art. 70, § 2°.Não podem alistar-se eleitores para as eleições federais, ou para as dos Estados: 1° Os mendigos; 2° Os analphabetos;”
Tendo em conta as leis que proibiam o acesso de escravizados à escola e o plano de embranquecimento do país implantado naquele período, não é difícil imaginar quem era analfabeto e mendigo no Brasil três anos depois da abolição.
O voto do eleitor analfabeto foi assegurado somente em 1985, com a Emenda Constitucional n. 25.
Ao mesmo tempo em que tratava ex-escravizado como gado e o excluía do direito de votar, a legislação republicana preocupava-se em assegurar e proteger a “pureza racial” da imigração europeia: Art. 121, § 6º. “A entrada de immigrantes no territorio nacional soffrerá as restricções necessárias á garantia da integração ethnica e capacidade physica e civil do immigrante… (Constituição de 1934).
A preocupação com a pureza racial, com a eugenia, passou a fazer parte inclusive do currículo escolar, conforme determinado pela Constituição de 1934: Art. 138. Incumbe á União, aos Estados e aos Municipios, nos termos das leis respectivas: b: estimular a educação eugenica;
A despeito de todas essas leis (existem outras, algumas inclusive em vigor) há quem acredite que após a República o Brasil nunca teve leis racistas ou que a lei passou a tratar todos igualmente.
Todos quem cara-pálida? Essa história de que nunca houve lei racista após a abolição lembra a infeliz invenção do tal racismo recreativo: certamente o racismo é bastante divertido para o racista. Para a vítima, racismo lembra dor, sofrimento e por vezes morte. Só sendo racista para associar racismo a diversão. Alguém aí aplaudiria a expressão “estupro recreativo”?
Texto: Hédio Silva Jr., Advogado, Doutor em Direito, fundador do Jusracial e Coordenador do curso “Prática Jurídica em casos de Discriminação Racial e Religiosa”