Mundo Negro

“Todos os casos de trabalho doméstico análogo à escravidão são oriundos de trabalho infantil”, diz procuradora do trabalho

Foto: RawPixel

As mulheres representam 90% dos casos de vítimas de trabalho doméstico análogo à escravidão e as negras representam mais de 90% dessas mulheres, segundo a Alline Oishi Delena, Procuradora do Trabalho, representante regional da Coordenadoria Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, do Ministério Público do Trabalho de São Paulo. 

Em todos os casos mantém a mesma semelhança: “A situação de vulnerabilidade financeira e emocional da vítima e todos os casos oriundos de trabalho infantil”, explica a procuradora em entrevista ao MUNDO NEGRO.

Notícias Relacionadas


O isolamento com a família que explora a vítima, pode confundir a vítima que se sente numa relação com afeto e dificulta o resgate por parte do MPT. “A própria vítima, na maioria das vezes, não se vê como vítima de uma exploração. A denúncia depende de um olhar atento de terceiros, como vizinhos ou comerciantes próximos à residência. Nos casos em que a vítima se percebeu vítima não sabia a quem recorrer, e contou com ajuda de terceiros”, diz a representante do Conaete.

Existem alguns sinais que podem ajudar terceiros a identificar uma vítima, de acordo com Alline. “A pessoa mora na residência sem nunca se ausentar, tem pouco ou nenhum convívio social, não recebe salário ou o que recebe não fica com a pessoa, vai diretamente para familiares, etc. Uma pessoa sem capacidade de autodeterminação”, explica.

A falta de reparação histórica pela escravidão ainda é a razão pela escravidão moderna. “Muitas vezes a única opção para uma família que não tem como sustentar uma criança entregando-a para trabalhar em troca de moradia e comida em outra casa”, diz Alline.

A procuradora explica como combater esse tipo de violência. “A erradicação da pobreza e o investimento em educação são os únicos caminhos para prevenção. A repressão só é possível com a conscientização da sociedade sobre a existência dessa exploração para que denunciem. Precisa também de uma mudança da cultura da servidão, e do machismo estrutural , onde a mulher é mais vulnerável à essa exploração, principalmente a mulher negra”.

O racismo estrutural nas nuances da escravidão moderna 

“O racismo estrutural reduz as oportunidades de trabalho e acesso à educação, saúde e diversos serviços. Isso faz com que pessoas negras ocupem a base da pirâmide com o desempenho das funções mais precárias e pior remuneradas. Quando falamos das mulheres negras, elas estão ainda abaixo dessa pirâmide”, afirma a procuradora Adriane Reis de Araujo, coordenadora da Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho do MPT.

“O trabalho doméstico é uma das atividades com maior índice de informalidade, cerca de 70% e com as piores remunerações. Essas mulheres são levadas a esses trabalhos por falta de oportunidade em outras frentes. Isso faz com que o racismo estrutural leve muitas adolescentes negras de forma precoce ao trabalho doméstico. Muitas dessas mulheres têm dificuldade de compreensão dos seus direitos porque não tiveram a sua educação formal completa”, diz a procuradora.

Para denunciar um caso de trabalho análogo à escravidão, o cidadão deve procurar o MPT, a Defensoria Pública, o Ministério do Trabalho e Emprego ou Disque 100 da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.

Em abril deste ano, o Brasil se emocionou com a entrevista da Madalena Silva, exibida no telejornal Bahia Meio Dia, afiliada da TV Globo. Ela foi resgatada do trabalho doméstico análogo à escravidão no ano passado, após passar 54 dos 62 anos sendo explorada pelos patrões e chorou quando a repórter branca tentou pegar na sua mão. 

“Fico com receio de pegar na sua mão branca”, desabafou Madalena. “Mas por quê? Tem medo de quê?”, questionou a repórter, estendendo as mãos. “Por que ver a sua mão branca… eu pego e boto a minha em cima da sua e acho feio isso”, disse ela.  

Notícias Recentes

Participe de nosso grupo no Telegram

Receba notícias quentinhas do site pelo nosso Telegram, clique no
botão abaixo para acessar as novidades.

Comments

Sair da versão mobile