Mundo Negro

Todo mundo igual e ninguém dizendo nada


Por Felippe Guerra

Tô voltando de Salvador depois de uma daquelas temporadas que renovam a alma e o olhar. A cabeça cheia de ideias, o feed cheio de gente bonita, o armário pedindo férias da camiseta preta.

No avião, entre um gole de café morno e a última mordida no pão de queijo ressecado, comecei a pensar: se moda é — como dizem por aí — uma forma de autoexpressão, por que tá todo mundo se vestindo igual?

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Calça jeans. Camiseta preta. Tênis branco. O look que grita “ninguém me nota, por favor”.

E não é sobre simplicidade. É sobre desistência estética.

As redes sociais, que deveriam ampliar nossas referências, estão nos transformando num catálogo vivo de tendências replicadas. Todo mundo diferente no discurso, mas igual no espelho. Um exército de “estilo seguro”, pronto pra não errar — e, por consequência, não dizer nada.

E aqui, deixa eu falar com os manos: principalmente nós, homens pretos, que crescemos ouvindo que precisávamos estar bem vestidos pra sermos respeitados — ou, pior, pra não sermos mal interpretados. A gente tá se vestindo pra quem, afinal? Pra agradar quem nunca nos viu? Pra entrar em clubes que nunca quiseram a gente lá?

Tem homem se vestindo pra passar despercebido. Como se viver fosse arriscado demais. Como se a missão fosse sair de casa e voltar ileso. Como se o preto no look fosse um escudo emocional: o “não erro”, o “ninguém vai comentar”, o “fico mais magro, mais sério, mais respeitado”. Mas respeitado por quem?

Enquanto isso, a cidade fervendo. O corpo pedindo leveza. E o cara, de preto da cabeça aos pés, com cara de call das 10h e funeral no Brooklyn.

Não é que o preto seja um problema — é o que ele anda dizendo sobre você sem querer. O Brasil é sol, excesso, contraste, presença. E tem muito homem preferindo se apagar.

A elegância brasileira é outra coisa. Ela não mora na frieza do minimalismo nórdico nem no excesso de logo americano. A nossa elegância tem calor. Tem memória. Tem história.

Já reparou como os italianos do sul se vestem com naturalidade? Camisa clara, óculos dourado, tecido que dança com o vento. Ou como os africanos misturam estampa com segurança, com alegria, com propósito.

A gente, aqui, no meio do mundo, tá vivendo bem — mas se vestindo como quem quer passar batido.

Tá na hora de recuperar o molho.

Sim, o molho. Aquilo que faz você passar e alguém pensar: “não sei o que é, mas tem alguma coisa ali.”

E esse alguma coisa não precisa vir de uma marca gringa ou de um hype da semana. Pode ser uma camisa de linho desabotoada, uma bermuda bem cortada, um anel herdado da avó, ou só a forma como você segura a sacola de pão num domingo de sol.

Não é sobre usar estampa africana só porque temos raiz lá. É sobre entender que a sofisticação também pode vir de um alfaiate do seu bairro, de um tecido nacional, de um gesto leve. É sobre saber que um bege bem passado pode ter mais personalidade do que qualquer preto básico. Que um verde água num dia quente comunica mais do que mil logomarcas. Que roupa clara, no Brasil, é quase um ato político. Uma recusa ao apagamento.

Meu convite?

Desencana da fórmula. Sai do modo camuflado. Troca o medo do erro pela chance de marcar presença.

Porque moda é sobre falar.

E você tá dizendo o quê com esse look de “tô só de passagem”?

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