Principais vítimas de casos de racismo, mulheres negras sentem no corpo, na mente e no metabolismo as consequências dessa violência. Segundo o nutricionista Rafael Bastos, mestre em Crítica Cultural e pesquisador em Saúde Coletiva pela UFBA, o estresse crônico provocado pela discriminação racial desencadeia uma série de alterações hormonais e metabólicas que dificultam o emagrecimento e aumentam o risco de doenças como diabetes, hipertensão e depressão.
O nutricionista critica a abordagem tradicional que reduz o emagrecimento a “fechar a boca e malhar”. “Essa conduta centrada no modelo ‘foco, força e fé’ não acolhe a realidade socioemocional das mulheres negras”, afirma. “Desconsidera que o organismo feminino é complexo, sobretudo das mulheres negras que carregam em si não só questões biológicas, mas também psicossociais, que precisam ser levadas em consideração em qualquer conduta da área de saúde”, explica em entrevista para o Mundo Negro.
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“Situações de discriminação disparam o estresse físico e emocional, aumentando o cortisol, hormônio que favorece o acúmulo de gordura abdominal, resistência à insulina e desequilíbrio da glicose”, lembra o especialista. Esse descontrole metabólico, por sua vez, abre caminho para uma série de complicações. “São inúmeras as condições de saúde que estão ligadas a essa questão, entre elas os adoecimentos cardiovasculares: pressão alta (hipertensão), inflamação crônica silenciosa, risco aumentado de AVC e infarto. Adoecimentos psicoemocionais como ansiedade, insônia, depressão, cansaço crônico, sentimento de incapacidade ou culpa sobretudo ligados a baixa autoestima corporal. Além de alterações intestinais e imunológicos como a disbiose intestinal, imunidade baixa que podem vulnerabilizar as mulheres negras a doenças e infecções”, detalha.
Na saúde mental, as consequências incluem ansiedade, insônia, depressão e uma sensação constante de cansaço. “Muitas mulheres recorrem a alimentos ultraprocessados e doces como forma de compensação emocional”, diz Bastos. “Sabe aquela vontade louca de atacar o chocolate no final do dia? Não é fraqueza, é seu corpo tentando sobreviver num sistema que te adoece.”
Para ele, é essencial que os profissionais de saúde adotem uma visão mais ampla, indo além da contagem de calorias. “Atualizando-se! Buscando um olhar holístico em relação ao cuidado e saindo da lógica biomédica da nutrição. Aproximando- se cada vez mais das questões sócio raciais que afetam a a população negra, buscando formas acolhedoras de orientar e conduzir que não reproduzam o discurso tecnicista que tenta universalizar o cuidado. Alimentação e nutrição não são receitas prontas, e entender que calorias, embora sejam um conceito importante, não são a única variável quando se trata de conduta para emagrecimento”.
Linhas de cuidado que incorporem saberes ancestrais
Entre as políticas públicas necessárias, ele destaca a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra e defende a criação de linhas de cuidado que incorporem saberes ancestrais, como o uso de ervas medicinais e uma alimentação mais consciente.
“Precisamos combater o ‘nutricídio’, que é o genocídio do povo negro pelo consumo excessivo da comida do colonizador, e incentivar que mais profissionais de saúde sejam verdadeiramente antirracistas”, conclui. Para Bastos, o emagrecimento da mulher negra não é uma questão apenas biológica, mas biopsicossocial — ou seja, envolve corpo, mente e sociedade.
Os dados mais recentes do IBGE mostram que, pela primeira vez desde 1991, a soma de pessoas que se declaram pretas (10,2%) e pardas (45,3%) superou a população branca (43,5%). No entanto, junto com esse fortalecimento identitário, os casos de denúncias por racismo aumentaram 67%, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública. E esse cenário tem um impacto direto na saúde.
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