Mundo Negro

Racismo à la carte: quando o menu é para todos, mas o respeito não

Foto: Freepik

Por Luciano Ramos

Ser negro no Brasil é saber que a porta pode estar aberta, mas o ambiente, nem sempre. É atravessar espaços da classe média como quem caminha sobre vidro fino: um passo em falso, e você se torna suspeito, deslocado, incômodo. Às vezes, nem é preciso errar. Basta estar ali — sentado num restaurante sofisticado, escolhendo um vinho, esperando a sobremesa — para ser lembrado, de forma sutil ou brutal, de que aquele lugar não foi pensado para você.

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O racismo nesses espaços não grita. Ele sussurra. Se manifesta no garçom que te atende por último, no segurança que te observa de longe, na hostess que te examina dos pés à cabeça antes de te conduzir à mesa. E também no olhar atravessado de outros clientes brancos, incomodados com sua presença, como se você fosse um ruído na harmonia daquele “bom gosto” elitista.

Os dados não deixam dúvidas. Um estudo do Instituto Locomotiva revelou que sete em cada dez pessoas negras já sofreram preconceito em lojas, shoppings, supermercados ou restaurantes. Já uma pesquisa de 2024 apontou que nove em cada dez pessoas negras das classes A e B afirmam já ter passado por situações racistas em lojas de luxo no Brasil. A dor, portanto, não é isolada — é estrutural e cotidiana.

O racismo nesses ambientes também é arquitetônico. Está nos preços que segregam, na quase total ausência de pessoas negras em cargos de prestígio, na decoração que exibe máscaras africanas como “charme”, mas recusa dignidade à negritude viva. Está, inclusive, no silêncio — porque quando reagimos, nos chamam de sensíveis. Quando apontamos o racismo, nos acusam de exagero.

Mas é preciso dizer: não é exagero querer existir plenamente. Não é exagero exigir respeito.

Frequentar um restaurante, vestir-se bem, ocupar espaços de lazer e cultura da classe média não deveria ser um ato de resistência — mas ainda é. Para muitos de nós, cada entrada nesses ambientes é uma reafirmação do direito de existir e ocupar os espaços que queremos. Todavia, muitas vezes, ocupar esses espaços maltrata a nossa saúde mental. Toda pessoa negra consciente do racismo a que somos submetidos nesses espaços se prepara para estar ali. Nesse sentido, é preciso respirar fundo, manter o queixo erguido, ter o CPF na ponta da língua e o tom de voz estrategicamente calculado. Porque ser negro e livre incomoda. Ser negro e bem-sucedido ofende. Ser negro e feliz, para alguns, é imperdoável.

O problema não é a nossa presença. É a estrutura racista que ainda nos vê como intrusos. Mas seguimos. Sentamos à mesa. Pedimos a carta de vinhos. Olhamos fixamente e, às vezes, sorrimos ironicamente para quem nos encara. E, sobretudo, lembramos: nós existimos. Sempre existimos. Só não nos queriam ali.

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