“Somos doutores graças a cada um de vocês!”, dizia a legenda da publicação recente na página do grupo Racionais MC’s. Na última quinta-feira (6), Mano Brown, Ice Blue, Edi Rock e KL Jay receberam o título de doutor honoris causa concedido pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), aprovado pelo Conselho Universitário em novembro de 2023. Um marco histórico pois eles são os primeiros intelectuais negros e periféricos a receberem o título na instituição, que reconhece a relevância intelectual do grupo e sua atuação na luta contra o racismo e as violências sociais no Brasil, além disso.
A cerimônia contou com discursos emocionados dos integrantes do grupo, que relembraram suas trajetórias e a importância do hip hop como ferramenta de resistência e transformação social. “Quando a gente começou, a única ambição que a gente tinha certeza que aconteceria era que, quando os preto ouvissem a gente, alguma coisa aconteceria”, afirmou Mano Brown, destacando as dificuldades enfrentadas em sua juventude. “Eu fui um jovem afoito, estudei muito pouco. Não tive tempo para estudar. Era questão de matar a fome.”
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KL Jay, por sua vez, agradeceu aos pioneiros do hip hop em São Paulo, como o extinto Bodega Bay e o Clube do Rap, que propiciaram o primeiro encontro do grupo. “Hip hop é um acontecimento espiritual que fez um grande resgate dos pretos no mundo inteiro”, disse. Ice Blue homenageou sua família e relatou os desafios de ser um homem negro no Brasil. “Hoje eu sei o que é ter um filho preto da porta para fora”, afirmou, emocionado.
Edi Rock lembrou que a primeira gravação oficial dos Racionais MCs aconteceu em Campinas, em 1989, e agradeceu ao movimento negro e ao hip hop da cidade pelo acolhimento desde então. “Estar aqui hoje é um reconhecimento de que nossa luta não foi em vão”, disse.
A madrinha da cerimônia foi Nilma Lino Gomes, pedagoga e doutora em antropologia social pela USP, primeira mulher negra a comandar uma universidade pública federal no Brasil. Em seu discurso, ela destacou o papel dos Racionais MCs na luta por direitos e na crítica às estruturas de poder. “A voz dos Racionais MCs ecoa luta por direitos. Com sua dura crítica ao poder e aos poderosos, resgata histórias silenciadas, as reinventa, trazendo-lhes legitimidade de forma insurgente”, afirmou.
Formado em 1988 na periferia de São Paulo, o grupo se consolidou como uma das vozes mais influentes da música nacional e da cultura periférica, com composições que pautaram o debate público sobre desigualdade social, violência policial e genocídio da população negra. Em 2018, a Unicamp incluiu o álbum “Sobrevivendo no Inferno” entre as obras de leitura obrigatória para o vestibular 2020, marcando a primeira vez que um disco de música foi recomendado para a prova.
O título de doutor honoris causa da Unicamp já foi concedido a nomes como Paulo Freire, Antonio Candido, Mário Quintana, Celso Furtado e Oscar Niemeyer. Agora, os Racionais MCs se juntam a essa lista, em um reconhecimento que ressalta a importância da cultura periférica e da luta antirracista no cenário acadêmico e social brasileiro.
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