Mundo Negro

Quem cuida não tira férias: A economia do cuidado sobrecarrega principalmente as mulheres negras

Foto: Arquivo Pessoal.

No fim de 2023, aproveitei o recesso de Natal e Ano Novo e as férias escolares para fazer minha sonhada mudança de estado, de São Paulo para a Bahia. Em situações como essa, fica evidente para mim, a importância de ter uma rede de apoio e estar trabalhando em uma empresa flexível que considera o contexto da economia do cuidado. 

O assunto parece novo para muitas empresas, principalmente, depois do maior destaque que recebeu ao ser escolhido como tema da última redação do Enem, mas é um problema antigo e bastante ligado à pauta antirracista. A desigualdade de raça e gênero na economia do cuidado é um fenômeno alarmante, evidenciado por números que revelam disparidades significativas. 

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Globalmente, mulheres realizam aproximadamente 75% do trabalho de cuidado não remunerado, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT); e são mulheres negras cerca de 62% dos trabalhadores domésticos no Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Ao destacar as dificuldades específicas enfrentadas por mulheres negras, a primeira delas é a invisibilidade. É fundamental lembrar que, para grande parte da sociedade, o trabalho de cuidado desempenhado por elas ainda é invisível. Essa falta de reconhecimento tem sido um fator determinante na perpetuação de ciclos de desigualdade que afetam diretamente a autonomia financeira e profissional dessas mulheres.

Mulheres negras também encontram mais obstáculos ao acesso a oportunidades educacionais e profissionais, impactando diretamente sua participação em setores mais valorizados economicamente. Isso amplifica a disparidade no acesso a empregos que reconheçam e remunerem adequadamente o trabalho relacionado ao cuidado.

Nesse contexto, é imprescindível refletir que essa conciliação de trabalho e férias escolares não é igualmente acessível. Mulheres negras enfrentam barreiras adicionais, resultantes de desigualdades históricas e estruturais. E está longe de ser uma questão isolada, a realidade cruel é sentida em todos os segmentos sociais, um exemplo prático: a mãe que não consegue tirar férias junto com o filho pequeno, muito provavelmente vai contar com uma mulher negra como rede de apoio paga. 

A falta de flexibilidade no ambiente de trabalho, somada às responsabilidades familiares, gera um fardo desproporcional a todas. A empatia empresarial se revela cada vez mais necessária para compreender as demandas específicas enfrentadas pelas mães durante as férias escolares e outras situações impostas pela maternidade. As empresas, ao adotarem políticas flexíveis, como horários de trabalho adaptáveis e opções de trabalho remoto, contribuem para a promoção do equilíbrio entre vida profissional e familiar.

Iniciativas empresariais que promovam equidade salarial, oportunidades educacionais igualitárias e reconhecimento do trabalho não remunerado são essenciais para criar uma sociedade justa e inclusiva. A conscientização dessas disparidades é o primeiro passo para a implementação de mudanças significativas em direção a uma economia do cuidado verdadeiramente equitativa.

Ao abordar a economia do cuidado sob a perspectiva de raça e gênero, é possível identificar muito além dos problemas, mas também oportunidades de promover uma sociedade mais justa e inclusiva. A conscientização e a ação coletiva são fundamentais para superar as desigualdades arraigadas e construir um futuro em que todas as pessoas, independentemente de raça e gênero, tenham suas contribuições reconhecidas e valorizadas.

Em síntese, a economia do cuidado demanda uma mudança de paradigma nas práticas empresariais. Ao considerar a jornada dupla das mulheres enquanto mães e profissionais, a empresa também dá um passo na construção de um sistema econômico mais inclusivo, equitativo e regenerativo para as pessoas e para o planeta.

Priscilla Arantes é gerente de comunicação do Sistema B Brasil, e articuladora do Coletivo Pretas B, um projeto que apoia mulheres negras na rede do Sistema B Brasil por meio de mapeamento, mentoria, consultoria e capacitação, e fundadora do Instituto Afroella.

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