Precisamos falar sobre ‘nariz de batata’

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Precisamos falar sobre ‘nariz de batata’
MC Rebecca - Foto: Reprodução Facebook

Vivemos em um sistema racista há séculos (obrigado, Europa, pelo curso relâmpago de idiomas). Essa frase inicial já resume o porquê deste texto. Vamos falar de nariz. Sim, poderíamos falar de traços negroides em geral, como lábios carnudos, cabelos crespos, etc. Mas não. Simplesmente porque a boca, por estranho que pareça, é valorizada quando os lábios são volumosos e os cabelos são, de certa forma, fáceis de se manipular.

Mas, o nariz, este é diferente, quando um negro o modifica, tentando ficar com ele mais fino, pequeno e tals, é porque era algo que realmente incomodava seu dono, sua dona. Lembremos de Michael Jackson (e todos os seus irmãos), que dizia ser constantemente alvo de piadas dentro de casa por seu nariz, boca, cabelo, etc. O que explica fácil o porquê de sua obcessão com um padrão estético que o tornou num personagem de si mesmo apenas para não ser quem era quando nasceu. E é aí que entra o racismo, o nariz e o negro que alcança um patamar diferenciado na sociedade.

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Vamos falar de Ludmilla. Lud é uma jovem preta e que muito cedo já alcançou o que muitos não conseguem em décadas (por diversos motivos sociais e financeiros, antes de se pensar em meritocracia, ok?). Ainda um pouco mais que uma menina, Lud já passou por uma intervenção estética no nariz, ao que na época, afirmou ser algo que a incomodava e que “amenizando” os contornos de seu nariz, se sentia mais tranquila, melhor consigo mesma. Coisa que Mc Rebecca também falou em redes sociais recentemente. Ambas – e muitas outras – sempre alegam que o fizeram por questões estéticas e não para ficarem menos negras. Ok.

A questão é que isso se inicia com a necessidade de se aproximar de uma estética que é racista. Logo, amenizar seus traços é, necessariamente, atender a um chamado opressivo do racismo. A classe que domina a riqueza no mundo e a comunicação em massa (das origens da fundação da república até aqui, youtubers ainda não têm essa relevância histórica) é branca. Pense numa Rede Globo, Band, Record, SBT, etc, e repare que essas famílias/grupos não são negros, nem de longe. E, em sua branquitude, sempre exibiram o que a sociedade já vem empurrando e perpetuando como bonito um ideal quase inalcançável. Nem na minoritária classe rica os traços estéticos mais exigidos (nariz fino, pele clara, cabelo liso, olhos claros) são maioria. Mas continuam vendendo o sonho.

E, tentando comprar esse sonho, a gente vê negros – mulheres, principalmente – numa corrida para serem aceitas por esses padrões. É assim: A mídia anuncia que quem se aproximar da estética da Madonna, vai ganhar a chance de virar artista e, virando artista se parecendo com a Madonna, vai ser amada, admirada e idolatrada como ela. Pareceu tentador pra meninas de 10, 12 anos em fase de construção de personalidade e autoestima? Então… Imagine que as meninas brancas, magras, de traços finos e cabelos lisos/alisados já tenham ido para a próxima etapa da seleção e tenham ficado as meninas negras. Aí, o papo do produtor é assim: Então, crianças, Madonna não dá pra vocês, mas temos aqui o pacote de padrão estético da Beyoncé.

As meninas vibram, porque não foram rejeitadas, apenas remanejadas para uma estrela que tem mais os traços delas. Sim? Nem sempre. Ali, vão ficar pelo caminho as que não têm o nariz desenhado de Bey, seus cabelos/perucas reluzentemente loiros ou seu avantajado físico entalhado a dietas e atividades físicas. Mas, dentre essas meninas, sobrou uma que não tem esses traços de imediato, mas tem talento e vontade de crescer. Essa menina se chama, sem referências, Ludmilla (oh!). Ludmilla aceita se tornar (Mc) Beyoncé já pensando em afilar seu nariz, porque é uma jovem que passou a vida ouvindo que era feio seu nariz e, ainda por cima, nunca viu uma artista pop de narigão ou cabelo crespo natural. Talvez, se tivesse nascido nos EUAses, cinco décadas atrás, pudesse ver Nina Simone, ou se fosse sambista nos anos 1980, uma Jovelina já seria referência.

O que estou dizendo é que até Jennifer Grey (famosa por viver a irmã do protagonista em Curtindo a Vida Adoidado e estrelar Dirty Dancing) modificou seu nariz em prol de uma estética padronizada – e ela é branca – imagina a menina preta do subúrbio que passou a vida sonhando escondida em ter dinheiro pra mudar tudo que lhe ensinaram que era um defeito de nascença em si. Não faltam histórias de negras que tenham tentado prender pregadores de roupa ou as pontas dos dedos pra apertar seus narizes na tentativa inútil de ter o nariz fino. Não é uma vã tentativa de embranquecimento, como acusaram Mc Rebecca. Mas sim, é ceder a um padrão racista. A questão éque elas não são culpadas de perpetuar, são vítimas por terem sofrido pressões em idades de vulnerabilidade psicológica num país que alimenta essa m´quina opressora há séculos antes que elas pensassem em nascer.

O que podemos fazer é, uma sugestão, trabalhar o psicológico HOJE para que esse costume de se resolver a estética na faca seja apenas por questões de saúde ou correções estéticas e não porque a lembrança reprimida de colegas e parentes rindo da nossa cara machuca os sentimentos por mais tempo do que até nós mesmos pensamos. Assim, Mc Rebecca, que é mãe de uma pequena (e linda) menina preta, vai ter a tranquilidade de conversar com sua cria sobre o porquê do que fez e que ela não precisa fazer, por exemplo. Assim como a própria Beyoncé fez, ao cantar a música Formation, onde diz, num trecho, que ama seu nariz negro e suas narinas ‘Jackson Five’. A diva o fez em resposta a críticas a seu empoderamento e aos traços de sua filha, Blue Ivy.

No mais, fico com postagem recente da cantora carioca, Andréia Caffé, em seu Instagram, que diz:

“Tem gente que fica criticando o meu nariz e minha boca (…) Deixa os meus traços PODEROSOS… Sou linda! Amo meu nariz de pretona e minha boca de pretona, né, meu povo? REXXXXXXXPEITA!”

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