Mundo Negro

Porque a Branquitude Não Deve Contar Sozinha Nossas Histórias


A telenovela Vale Tudo é um clássico da dramaturgia brasileira. Mais do que o enredo, ela
nos lembra de uma questão urgente: representatividade não é apenas quem aparece diante das
câmeras, mas também quem está atrás delas. Durante décadas, a branquitude se autorizou a
narrar nossas histórias, quase sempre reduzindo pessoas negras a estereótipos que reforçam
dores históricas.Quando a crítica surge, o argumento recorrente é o de evitar o “panfletário”,
termo usado seletivamente, apenas quando não lhes convém aprofundar discussões sobre
racismo, gênero, sexualidade ou desigualdade social.


O que falta, em grande parte da produção do audiovisual brasileira, é escuta. Falta
reconhecer que estamos em um país que ainda engatinha na construção de uma educação
antirracista e, justamente por isso, a responsabilidade da mídia é imensa. Falta consultoria
especializada, falta abertura para roteiristas, diretores e produtores negros contarem suas
próprias vivências sem filtros coloniais.

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Essa reflexão não é nova. Abdias do Nascimento, um dos maiories intelectuais e ativistas
negros do Brasil, já denunciava a ausência de protagonisto negro nas artes e nas narrativas
culturais. Ao criar, o Teatro Experimental do Negro, na década de 1940, Abdias abriu espaço
para que pessoas negras não fossem apenas personagens periféricos, mas autores de suas
próprias histórias. Sua obra e militância nos lembram que sem autoria negra, continuamos
presos a imagens distorcidas sobre quem somos.


E quando revisitamos personagens icônicos, como Raquel, percebemos que as marcas dessa
ausência. Se pensarmos em uma Raquel de 2025, podemos enxergá-la não mais como uma
mulher em busca de “salvação”, mas como uma mulher negra empreendedora, consciente de
sua identidade e capaz de criar uma rede forte com outras mulheres negras. Esse
“salvamento” presente em narrativas da branquitude não é inocente, ela reflete o racismo
estrutural que sempre coloca pessoas negras em um lugar inferior, dependente da tutela
branca para ascender socialmente. É uma lógica colonial de subalternização, onde o destino
da população negra só se realiza quando mediado pela branquitude.


A Rede Globo, mostrou em algumas produções que é possível abrir espaços para narrativas
negras como maior dignidade e profundidade. Vai Na Fé, Mister Brau e Encantados são
exemplos disso. Essas experiências comprovam que há caminhos. No entanto, continuam
sendo exceções dentro de uma indústria que insiste em manter a hegemonia branca nos
bastidores. E é justamente aí que está chave da mudança, sem diversidade real entre os
roteiristas, diretores, produtores e executivos, continuaremos reféns de uma visão limitada,
muitas vezes racista, sobre o que significa ser negro no Brasil.


Representatividade não é apenas ocupar a tela, mas disputar narrativas. É garantir que as
histórias contadas sobre nós tenham profundidade, pluralidade e respeito. Como Abdias do
Nascimento ensinou, é preciso romper com a lógica da tutela branca sobre nossas existências
e assegurar o direito de narrar a nós mesmos.


O futuro da televisão Brasileira precisa ser constrúido de forma coletiva, plural e antirracista.
Só assim será possível romper com os grilhões do passado e abrir espaço para narrativas que
realmente expressem a diversidade deste país.

Por Diego do Subúrbio (@diegodosuburbio)

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