O empreendedorismo no Brasil apresenta desafios únicos para mulheres negras, que enfrentam uma série de barreiras ao tentar consolidar seus negócios. Ana Fontes, fundadora da Rede Mulher Empreendedora, destaca que uma das maiores dificuldades está na precificação dos serviços. “Eu acho que é uma combinação dos três fatores: desvalorização do trabalho, falta de conhecimento sobre precificação, e medo de perder cliente,” comenta Ana, ao abordar as razões pelas quais pessoas negras muitas vezes cobram menos que seus pares brancos.
Essa desvalorização não é apenas uma questão de falta de conhecimento técnico, mas também está enraizada em uma complexa rede de inseguranças e condições impostas pelo racismo estrutural. Segundo Ana, “quando vejo que os orçamentos de homens brancos são maiores e com prazos de execução maiores, e os das mulheres negras são muito menores ainda, eu fico realmente com essa questão.” Essas disparidades evidenciam a necessidade urgente de capacitação e empoderamento para que mulheres negras possam valorizar adequadamente o próprio trabalho.
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Além da precificação, Ana Fontes também aponta para as discrepâncias que surgem em setores onde predominam empreendedoras negras. “70% das mulheres empreendem em áreas que nós chamamos de áreas de conforto da mulher: moda, beleza, alimentação fora de casa, serviços,” explica. Esses setores, muitas vezes vistos como acessórios, requerem um esforço extra de diferenciação para que o trabalho seja valorizado. A luta dessas mulheres não é apenas por espaço no mercado, mas também por reconhecimento e valorização em um ambiente que historicamente as subestima.
VOCÊ OBSERVOU QUE, AO MONTAR UM ORÇAMENTO, PESSOAS NEGRAS TÊM A TENDÊNCIA DE DEFINIR VALORES MENORES DO QUE PESSOAS BRANCAS. A QUE VOCÊ ATRIBUI ESSE FENÔMENO? ISSO SE DEVE À FALTA DE CONHECIMENTO SOBRE PRECIFICAÇÃO, À DESVALORIZAÇÃO DO PRÓPRIO TRABALHO, OU AO MEDO DE PERDER CLIENTES AO COBRAR MAIS DO QUE UMA PESSOA BRANCA?
“Eu acho que é uma combinação dos três fatores, porque na verdade é um pouco de desvalorização do trabalho, é um pouco falta de conhecimento sobre precificação, de não entender quanto que pode cobrar, o que deve cobrar e também um pouco do medo de perder cliente. É uma combinação, o que eu mais ouço aqui é que é uma combinação das três coisas e essa combinação acaba prejudicando demais as pessoas negras. Quando eu vejo que os orçamentos de homens brancos são maiores e com prazos de execução maiores, das mulheres brancas são menores, os 50% menor e com prazos de entrega mais rápido, aí quando eu peço esse orçamento das mulheres negras, eu só não vou falar a categoria para não expor ninguém, e eu vejo que os orçamentos são muito menores ainda, eu fico realmente com essa questão e por isso que eu tenho batido muito nessa questão do preço.”
A APRENDIZAGEM SOBRE PRECIFICAÇÃO É FUNDAMENTAL PARA QUALQUER EMPREENDEDOR, MAS COMO AS PESSOAS PODEM ADQUIRIR ESSE CONHECIMENTO? ESSA É UMA INFORMAÇÃO DE FÁCIL ACESSO PARA TODOS, OU AINDA HÁ BARREIRAS QUE DIFICULTAM O ACESSO AO ESTUDO DE EMPREENDEDORISMO?
“A aprendizagem é fundamental e é super possível você ter acesso a essa aprendizagem. Por exemplo, na própria Rede Mulher Empreendedora, nós temos uma plataforma de cursos que chama Cursos RME, que você pode acessar pelo nosso site mesmo. São cursos gratuitos e tem lá sempre cursos sobre precificação. Então, é possível você ter acesso. É possível também no Sebrae você ter acesso. Você tem muito vídeo sobre isso no YouTube de como precificar serviços. Então, acho que o ponto não é o acesso, nem você não ter informação e conteúdo qualificado. De fato, às vezes as pessoas não têm o hábito de buscar qualificação ou se capacitar para empreender. Existe uma mística ainda que empreender é só você começar, se virar e vai dar tudo certo. E não é, a gente sabe que exige muita dedicação, muito esforço e exige muito conhecimento: você aprender a precificar, aprender a divulgar e uma série de outras habilidades que normalmente a gente não teria se não fosse empreendedor.”
NO CONTEXTO DO EMPREENDEDORISMO DE MULHERES NEGRAS, EM QUAIS ÁREAS VOCÊ ACREDITA QUE HÁ MAIORES DISCREPÂNCIAS EM COMPARAÇÃO COM OUTROS GRUPOS? QUAIS SETORES OU ASPECTOS DO NEGÓCIO COSTUMAM SER MAIS DESAFIADORES PARA ELAS?
“No contexto de empreendedorismo de mulheres negras, tem um ponto importante: 70% das mulheres empreendem em áreas que nós chamamos de áreas de conforto da mulher. Que são essas áreas? Moda, beleza, alimentação fora de casa, serviços. Então, normalmente são áreas que são mais acessórias. O que significa isso? Significa que você tem que buscar mais formas de diferenciar o seu serviço para que você consiga gerar valor e não necessariamente uma competição de preço. Parece muito simples quando eu falo assim, mas não é muito simples. Então, o que é muito importante? A pessoa entender que tipo de serviço que ela oferece, entender qual é o diferencial que ela oferece para aquele cliente e aí sim valorizar o trabalho que ela faz, valorizar o aprendizado que ela dedicou para fazer aquele trabalho. Para mim, os que têm as maiores discrepâncias, os mais desafiadores, são quando o trabalho é relacionado à própria pessoa. Explico melhor: um fotógrafo, sei lá, uma redatora, uma pessoa que ela própria faz o trabalho. Quando é uma dona de agência, é mais fácil precificar, porque você não está precificando a pessoa, você está precificando o trabalho como um todo. Quando o trabalho é feito exclusivamente por uma pessoa, é muito mais difícil, é muito mais desafiador, porque aí a tendência das pessoas é desvalorizar o seu conhecimento e aquilo que você adquiriu.”