No episódio de estreia do podcast IMO, apresentado por Michelle Obama e seu irmão Craig Robinson, o ex-presidente Barack Obama compartilhou reflexões marcantes sobre criação de meninos, afetos, paternidade e masculinidade. Em uma conversa íntima e potente, Obama expõe vivências pessoais e lança luz sobre o impacto da ausência paterna, o papel da comunidade e a urgência de reconstruir formas mais humanas de educar nossos meninos.
A infância sem um pai e a busca por referências afetivas
“Eu não conheci meu pai.” Com essa frase simples, Barack Obama abre uma janela sobre a própria história. Criado pela mãe, pelos avós e, mais tarde, por um padrasto “muito gentil”, ele conta que sua construção da masculinidade foi feita de forma fragmentada, juntando peças soltas ao longo da vida. Sem um modelo masculino direto, precisou “adotar modelos de comportamento” e “tentar entender o que significa ser um homem”.
Notícias Relacionadas

Nesse processo, os livros se tornaram guias afetivos. “Livros me ensinaram muito sobre emoções”, diz Obama, revelando como desenvolveu um “vocabulário interno” para sentimentos, algo raro para meninos, ainda mais em contextos de ausência paterna e cobranças sociais por força e controle.
Apesar da falta do pai, ele reconhece que foi cercado por amor incondicional, algo que considera “um ponto de partida certo” para qualquer criança. Essa base afetiva foi determinante para que ele desenvolvesse autoconfiança. Ele narra um episódio aos 10 ou 11 anos, quando viajou sozinho e, ao chegar em Jacarta, descobriu que estava sem passaporte. “Eu não me lembro de ter me sentido assustado ou preocupado ou negligenciado; eu só me lembro de ter pensado: ‘Ok, como eu resolvo isso?’” Essa capacidade de se virar sozinho moldou sua noção de masculinidade, não pela dureza, mas pela responsabilidade emocional.
A crítica ao modelo tradicional de masculinidade
Ao lado de Craig Robinson, Obama refletiu sobre os modelos masculinos de sua juventude: “caras eram fortes, não reclamavam, eram durões”. Craig descreveu o próprio pai como um homem “estoico”, com “senso de humor”, mas que não lavava a louça nem cozinhava. Os papéis de gênero eram rígidos e falar sobre sentimentos simplesmente não fazia parte da rotina.
Para Obama, esse silêncio emocional foi um erro geracional. “Todo estoicismo é externo… a proteção é toda externa”, afirma. A inteligência emocional, segundo ele, foi o que o salvou de repetir padrões. “Minha mãe falava muito comigo sobre como ela estava se sentindo e, por sua vez, eu podia conversar com ela sobre como eu estava me sentindo.” É esse tipo de escuta e nomeação emocional que ele considera essencial para formar meninos mais equilibrados.
“Essa inteligência emocional, prestar atenção em como as outras pessoas estão se sentindo e também prestar atenção em como você está se sentindo e ser capaz de descrever isso e lidar com essas coisas, essa é uma característica de ser um homem adulto”, resume.
A ausência estrutural de homens e o papel da comunidade
Obama também discute as ausências que marcam a vida de tantos meninos: pais distantes, professores homens quase inexistentes, comunidades enfraquecidas. E destaca que a identidade masculina, por muito tempo associada à função de “provedor”, foi abalada por transformações sociais e econômicas. A desindustrialização, o desemprego e a exclusão social afetaram diretamente a autoestima e o lugar simbólico dos homens.
Diante disso, ele faz um alerta: “Um pai, por melhor que seja, não pode ser tudo. Meninos precisam de uma comunidade.” Ele reforça a importância de redes amplas e diversas, onde diferentes figuras masculinas possam oferecer exemplos positivos, não de poder, mas de cuidado, afeto e responsabilidade.
Uma nova chance para os meninos e para a sociedade
Apesar das lacunas, Obama vê esperança na geração atual. “Os jovens estão mais abertos e reconhecem… muitas maneiras diferentes de ser um homem bom, forte, bem-sucedido e feliz.” Ele reconhece que houve um esforço intencional para fortalecer as meninas, e que isso foi positivo, mas admite: “não fomos tão dispostos, eu acho, a ser intencionais em investir nos meninos, e isso foi um erro”.
Ainda há tempo de corrigir esse desequilíbrio. “Se fizermos melhor pelos nossos meninos e produzirmos homens mais fortes e confiantes, isso será bom para nossas meninas e nossas mulheres também.” A fala de Obama não é apenas uma memória pessoal. É um convite coletivo. Um chamado para que a sociedade repense como cuida de seus meninos, especialmente os negros, e que tipo de masculinidade está incentivando a formar.
Criar meninos emocionalmente saudáveis, com múltiplas referências e redes de apoio reais, é mais do que um desafio individual. É uma construção coletiva que define o futuro e começa com as conversas que temos agora.
Notícias Recentes
