Nos últimos dias, acompanhamos com tristeza, indignação e uma avalanche de informações contraditórias a notícia da morte de Juliana Marins, jovem niteroiense que caiu durante uma trilha em um vulcão na Indonésia. O caso rapidamente mobilizou a imprensa, as redes sociais e gerou uma onda de solidariedade – que durou pouco. Desde então, o que se vê é um sentimento crescente de saturação, como se houvesse um tempo determinado para a dor alheia ser considerada relevante.
Notícias Relacionadas

Juliana ainda não voltou para casa. Seu corpo ainda está em trânsito. A família, em um processo de luto interrompido, segue lutando por respostas e por um desfecho digno. Mesmo assim, já há quem diga: “chega desse assunto”, “isso não vai trazê-la de volta”, “deixem ela descansar”. Mas como descansar se não houve sequer o direito ao luto completo? Como virar a página de uma história que sequer foi lida por inteiro?
Esse tipo de “cansaço seletivo” tem se tornado uma marca cruel da era digital. A comoção pública é intensa e performática, mas também descartável. O algoritmo exige novidade. A empatia, por sua vez, parece ter prazo de validade. A dor precisa ser rápida, contida e silenciosa. O luto só é aceito quando não exige demais.
É impossível não notar como esse padrão se repete especialmente quando a vítima é uma mulher negra. Juliana era uma mulher negra, e embora isso não devesse determinar a forma como sua morte é tratada, sabemos que determina. A indignação coletiva parece ter um filtro racial, e a empatia, um limite de cor e classe. A insistência da família por uma nova autópsia, os relatos de demora no resgate e as falhas de comunicação das autoridades indonésias são vistos, por muitos, como “exagero” ou “vitimização”. Se não for para virar notícia de consumo imediato, então que se esqueça. A pressa em silenciar sua história é um espelho desconfortável do quanto ainda naturalizamos a desumanização de determinadas vidas.
E como se não bastasse o abandono narrativo, agora começa também a tentativa de responsabilizar Juliana por sua própria morte. Em vez de solidariedade, surgem as críticas disfarçadas de bom senso: “ela era adulta”, “sabia dos riscos”, “por que não contratou seguro?”, “quem mandou se aventurar?” Como se o desejo de viver intensamente fosse um privilégio reservado a alguns corpos. A tentativa de culpabilizá-la é cruel – e comum quando a vítima não se encaixa no ideal social de inocência ou merecimento. Juliana não morreu porque foi imprudente. Morreu porque algo deu errado. E mesmo que tivesse sido uma fatalidade – o que, até agora, segue sem confirmação técnica – culpar quem partiu é uma violência dupla. Quando a vítima é uma mulher negra, essa violência raramente encontra freios.
O que se espera, ao menos, é dignidade. Dignidade para a memória de Juliana. Dignidade para a dor da sua família. Dignidade para que seu nome não seja tratado como um “assunto superado” antes mesmo que o avião que traz seu corpo tenha pousado. O Brasil precisa aprender a lidar com a morte para além do espetáculo, e com o luto para além do clique.
A internet tem o poder de amplificar vozes e gerar mobilização. Mas também carrega o vício de reduzir tragédias a entretenimento, de tratar vidas como virais, e dores como “notícias velhas”. Precisamos nos perguntar: quem tem direito à comoção contínua? Quem pode viver – e até morrer – sem ser culpado por isso?
Juliana merece mais do que o silêncio apressado das redes. Ela merece justiça. E sua família, respeito.
Notícias Recentes
