A pesquisa “Raio-X da Vida Real”, conduzida pelo Data Favela, Central Única das Favelas (CUFA) e Favela Holding, oferece uma lente rara e incômoda sobre a dinâmica do tráfico de drogas no Brasil. O Módulo 3 — Vivências, Consumo e Cultura — é particularmente revelador: ao contrário do que prega o senso comum, a vida no crime, para a maioria dos entrevistados, não é um caminho para a opulência, mas sim uma rota de subsistência marcada pelo desejo de estabilidade e uma forte conexão com a cultura negra.
O que o estudo sublinha de forma contundente é que a maioria dos entrevistados não está engajada no crime pela busca desenfreada por bens de luxo, mas sim pela urgência de estabilidade social e familiar. O maior sonho de consumo não é um carro importado, mas sim a conquista da casa própria, desejo que mobiliza mais da metade dos respondentes (53%), sendo que 25% especificamente almejam comprar uma casa para a sua família. Este dado é um poderoso contraponto ao estereótipo do criminoso ostentador, demonstrando que, para este público, o crime serve como uma fonte de sustento e ancoragem, e não de enriquecimento desmedido, reforçando a ideia de que a motivação principal é a necessidade econômica
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Apesar da vida na ilegalidade, os padrões de consumo dos entrevistados seguem de perto as tendências de mercado das favelas e periferias. A lealdade a marcas é alta, com poucas empresas dominando a preferência em nichos-chave.
- Eletrônicos: Apple (32%) e Samsung (31%) somam quase dois terços da preferência.
- Vestuário e Calçados: A Nike é a favorita em roupas (23%) e calçados, liderando o ranking de tênis e chuteiras com uma preferência agregada de 60% (juntamente com Adidas).
- Cerveja: A Heineken aparece no topo das cervejas mais citadas (19%), à frente de Brahma e Skol.
No entanto, o uso do sistema bancário tradicional, como Bradesco, Itaú e Caixa Econômica Federal , por parte de quem vive na clandestinidade, sugere a intensa necessidade de terceiros, os chamados “laranjas”, para movimentar o dinheiro, evidenciando as complexas pontes entre o lícito e o ilícito na vida financeira.
Quando o assunto é cultura, o estudo ressalta a importância dos laços de sociabilidade e pertencimento. Os hobbies preferidos são coletivos: jogar futebol (23%), acessar a internet (19%) e socializar com amigos (15%).
O pódio musical é dominado pelos gêneros de matriz negra:
- Pagode/Samba (23%)
- Funk (21%)
- Rap (12%)
As vozes e rostos da cultura negra também são os mais admirados: a cantora Ludmilla (16%) e o cantor Belo (11,6%) lideram as preferências. Entre os atores, Taís Araújo (27%) e Lázaro Ramos (17%) são as figuras mais importantes para os entrevistados.
O que a pesquisa consegue captar de forma pungente, para além dos números, é o dilema existencial. A vida no crime não apenas impõe riscos físicos e mentais (com altos índices de insônia, ansiedade e depressão ), como também restringe a liberdade a ponto de o sonho de uma viagem para “qualquer lugar do mundo” ser inacessível para 66% dos entrevistados.
O Data Favela nos força a ir além da manchete simplista e a compreender que a motivação do crime é, essencialmente, econômica. Não é a busca por iates, mas sim por uma casa segura e pelo sustento da família. A tragédia se completa com a constatação de que, embora não se orgulhem do que fazem (68% disseram não sentir orgulho ) e proíbam seus filhos de seguir o mesmo caminho, a falta de oportunidade lícita, a que se refere a mulher de 27-31 anos: “A falta de oportunidade e também o desejo de coisas melhores” , os mantém aprisionados nesse ciclo.
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