Mundo Negro

Novo álbum de Djavan traz participação de Milton Nascimento e da família do músico

Foto: Gabriela Schmidt

“D”, novo álbum de trabalho de Djavan, já está disponível nas plataformas digitais e traz 11 canções inéditas

“D”, o 25º álbum autoral de Djavan chegou no dia 11 de agosto nas plataformas digitais. O novo lançamento musical do cantor, que conta com 11 faixas totalmente inéditas, segue acompanhado da apresentação do clipe de “Iluminado”, em que Djavan divide a tela com os filhos e netos. Além de um trabalho realizado em família, o disco também conta com as participações especiais de Zeca Pagodinho e Milton Nascimento.

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Coisa de disco de número redondo, 25, espécie de bodas de prata do artista com a sua voz e suas melodias e letras gravadas, “D” (Luanda Records/Sony Music) talvez proponha um jogo, seja um enigma: um estilo e um pensamento artístico a serem decifrados nas canções. O título-enigma nasceu das conversas entre Djavan e Giovanni Bianco, designer brasileiro de presença internacional (já trabalhou, por exemplo, com Madonna), diretor criativo e responsável pela capa e pela direção dos clipes do novo álbum.

Produzido e arranjado por Djavan – com desenhos de sopros (explorando a abertura de “vozes” e as muitas possibilidades de timbres dos instrumentos), utilização intensa da percussão e aproveitamento do estilo pessoal de cada músico da base, que atestam sua maturidade como arranjador – “D” é antes de tudo uma impressionante safra de canções, todas com a marca do autor. Ou seja, melodias sinuosas, harmonias ricas e surpreendentes, passeio por diversos gêneros e ritmos, e sem qualquer perda do acento pop, pelo contrário. Há hits instantâneos como a própria “Num mundo de paz”, uma melodia irresistível sobre base de funk tradicional, as baladas “Primeira estrada” ou “Quase fantasia”, a folk “Iluminado”. Como há, também, algumas canções das mais sofisticadas que Djavan fez na vida. Em canções novas, “D” parece conter todas as vertentes da criação de “D”javan. “D”aí, talvez, o enigma a ser decifrado.

Sevilhando“, por exemplo, é uma canção de Djavan que já nasce clássica para seus fãs, e cheia de pistas para se decifrar esse enigma “D”: pelo neologismo do título, um verbo que não existe mas que deveria existir pelo que Sevilha representa em termos existenciais, paisagísticos, estéticos e criativos para o mundo; por seu diálogo com outra canção clássica de seu repertório, “Andaluz” do disco ” Coisa de acender” (1992), pelo que contém do estilo e das ideias de Djavan. Vejam que já musicalmente, “Sevilhando” parece um exercício de estilo, uma canção brasileira com base rítmica de funk, harmonia e arranjo de jazz, melodia espanhola (uma bela receita, como se fosse possível haver receita, das influências musicais de Djavan).

A letra é ainda mais pessoal, confessional até. Nela, Djavan define-se pessoal – “Mas Sevilha plantou/Na Alagoas nata/Um fiel servidor”, e musicalmente: “E uma música negra/Vai sevilhando/Tudo ali na lata”, a origem de sua música brasileira tanto na África como na Espanha. Arrisca-se a falar de grandes temas como o amor, necessariamente livre – “E só é inteiro/O que aclama/Toda forma de amor” – e da vida ela mesma – “Ao se falar de vida/Vê-se o quanto é tão sério/Nada mais é a vida/Que sede de um grande império” – ou de religião: “Deus é quem dá o caminho/Mas as pernas são as  suas”. E tudo isso em versos curtos, que cabem na fluente canção popular, admitindo a simplicidade das canções (“Decida/Uma é saber como/A outra é nada saber”) e culminando com a opção pela natureza, por referências da natureza tão típicas de seu trabalho recente: “Queria sândalo/Mas também podia ser camomila/Ou mesmo lavanda/Ou vanila/Para enfrentar o viver”. Um clássico de Djavan, como se vê, todas as suas grandes influências – a canção brasileira, a música negra, e o flamenco – amalgamados numa canção pop e muitíssimo bem feita.

Falando de influências e de parte do tal enigma “D”, “Beleza destruída” é outra canção importantíssima neste trabalho. Talvez pouca gente saiba, mas não houve influência maior do que Milton Nascimento na fase inicial, virada dos anos 60 para os 70, quando a sensibilidade musical de Djavan estava se formando. Sobretudo na liberdade e inventividade harmônica, na atenção às melodias e, é claro, na maneira única de cantar. Ouvindo bem, tudo isso está em “Beleza destruída”, canção feita especialmente para este disco 25 e para reparar uma lacuna em sua carreira, nunca ter gravado nada com Milton Nascimento. Segundo single e clipe do álbum, lançados em 21 de julho, o duo com Bituca é das canções mais comoventes de Djavan: a misteriosa melodia, sobre a harmonia inventada no seu violão são base para uma letra urgente, política, ecológica – como tantas do repertório de Djavan e de Milton – e que denuncia a insistência na destruição da natureza, sem meias palavras: “Mas o homem/Cego por dinheiro/Só sabe dizer:/Dizimar, dizimar/Ver tanta beleza/Destruída/Encolhendo/A própria vida assim/É o fim!”. Como todas as canções do disco, “Beleza destruída” foi arranjada com todo cuidado por Djavan para que as vozes tão únicas dele e de Milton Nascimento – encontro que em si já é um acontecimento – se harmonizassem. Evidentemente emocionados, eles gravaram suas vozes juntos no estúdio.

Seguindo seu método muito pessoal de compor, Djavan fez quase todas as músicas de “D” no Rio de Janeiro, a partir de junho de 2021 e no decorrer do segundo semestre do ano passado. Gravou-as todas com músicos de várias fases de sua carreira, cada canção “pedindo” o músico mais apropriado para ela. Em “Num mundo de paz”, por exemplo, na cozinha rítmica mistura a bateria técnica, perfeita, de Felipe Alves, da banda do disco anterior, “Vesúvio”, com o baixo mais criativo e suingado de Marcelo Mariano, que acompanhou Djavan há mais de 20 anos. Dessa mesma época, Djavan convocou o argentino-brasileiro Torcuato Mariano na guitarra, que faz a introdução e os solos. Além do fiel escudeiro Paulo Calasans no teclado – e assistente de Djavan na produção musical. Outros antigos companheiros de banda compõem o naipe de sopros presente em várias faixas, Marcelo Martins no saxofone, Jessé Sadoc no trompete e flugelhorn, que recebem o novato do grupo Rafael Rocha, no trombone. Tal rodízio de músicos se dá em cada canção, e não uma banda fixa, o baterista pode às vezes ser o “antigo” Carlos Bala ao lado do baixista Arthur de Palla, da banda de “Vesúvio”. Esse rodízio, não deixa de fazer parte do enigma “D”, o segredo de seu som.

Com as músicas prontas, arranjadas e gravadas, Djavan foi em janeiro de 22 para sua casa de praia na Alagoas natal, onde nos dois meses seguintes todas as letras foram escritas, talvez daí venha a característica tão solar do álbum. Todas, na verdade à exceção de duas: o samba “Êh, Êh!” e “Iluminado”, duas faixas que têm origens e características diferentes das outras dez do álbum, mas que contêm igualmente grande parte do enigma de “D”.

Feito em parceria com Zeca Pagodinho, “Êh, Êh!” foi lançado por Alcione, uma estilista do samba, em 2014. Também estilista e ele próprio um inventor do samba ao seu modo, Djavan sentiu vontade de mostrar também a sua maneira de fazer essa música. O violão de samba do autor de “Flor-de-lis” e “Fato consumado” e o jeito próprio de Djavan de fazer samba são precisamente a contribuição de “Êh, Êh!” ao enigma “D”. É a faixa feita para quem gosta de curtir o violão de Djavan.

Já “Iluminado“, a mais nova das canções de “D” e que lhe serve de terceiro single, foi composta na praia, diante do mar de Alagoas. E a sua prole, filhos e netos, todos reunidos. A melodia nasceu em Djavan a partir de uma batida de ukulele que sua filha Sofia fazia na praia. Em pouco tempo a canção estava pronta, música e letra, simples, praiana, solar – “Tudo é possível/Como um dia de sol/É jogar o anzol/Esperar/Pra ver o que vem”. Djavan acha que é a canção mais popular do disco e lhe proporcionou um velho sonho: gravar com todos os filhos e netos músicos, dos mais velhos e já profissionais Flavia Virginia, João e Max Viana, aos filhos mais novos Sofia e Inácio (“que toca um violão igual a mim”, surpreende-se o pai) e os netos Thomas Boljover e Lui Viana. A família tão musical e fazendo uma canção solar e cheia de esperança no futuro também faz parte do enigma “D”.

O tal enigma de “D” está todo nas canções. Seria muito interessante entrar na cabeça de um fã de Djavan, ou de qualquer pessoa que ame a música brasileira, ouvindo o disco e se perguntando qual é a melhor canção do álbum. Se a supercomplexa e jazzística canção “Ao menos um porto“, cheia de nuances harmônicas e melódicas, seu levíssimo arranjo de sopros cheio de “vozes” abertas, o arranjo vocal feito e todo cantado por Djavan, e a letra de um amor desesperado. E o lindo título. Ou a valsa-jazz “Nada mais sou“, em compasso 6/8, tão típica de Djavan. Ou ainda a balada pop que abre o álbum, “Primeira estrada“, com todas as sutilezas harmônicas possíveis brotando do violão de Djavan, e imagens poéticas inusitadas (“Campos que florirão/Num sertão de vinho”, inspirado nas vinícolas do São Francisco) e comoventes (“Se alguém sabe de amor/Por favor, me fale/Se era amor, por que acabou?/ Quem amou não sabe”).

Talvez a melhor seja a pop e djavânica, com todas as quebradas rítmicas e poéticas tão típicas suas, “Cabeça vazia“, um perfeito exercício de estilo. Ou, ainda no quesito exercício de estilo, seja o delicioso bolero “Você pode ser atriz“.  Afinal, faz parte do enigma “D” esse exercício constante de reinventar os gêneros básicos da musicalidade brasileira e latina, o bolero como um dos símbolos máximos desse exercício.

Pode ser duas abordagens inusitadas do amor: a canção pop “Quase fantasia“, um amor platônico – “Poderei conquistar a lua/Se eu tocar nessa boca tua” – mas vivido como se fosse real e vital, “Fui na trama dos teus passos/Sucumbir/Quase como se fosse um doente/E você o elixir”; e, como se fosse o seu oposto, o blues  “Ridículo“, um amor real, só que na verdade um tremendo erro, tema tão típico do gênero. As diversas abordagens do amor, aliás, também fazem parte do enigma “D”.

Na verdade, o 25º álbum de Djavan traz esse título ao mesmo tempo simples e enigmático porque talvez “D” represente aqui a continuidade da obra de um artista, o desenvolvimento dos muitos caminhos musicais propostos por Djavan, e sua busca constante por novidades, desde que começou a ouvir música, menino ainda, em Maceió. Um enigma decifrado canção a canção, disco a disco. Agora, no momento em que o ouvimos pela primeira vez. E a ser ouvido e decifrado para sempre.

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