Eu estou há quase 20 anos escrevendo sobre racismo por meio da Internet e há alguns fenômenos da minha comunidade que minha compreensão não consegue decifrar. Eu consigo entender negros liberais, cristãos, que casam com pessoas de outras etnias, que alisam o cabelo e tudo mais.
Somos complexos como qualquer outro povo, temos nossas preferências e respeitá-las, é um dos aspectos mais importantes da democracia. Somos livres, pelo menos constitucionalmente.
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No entanto, focando no atual estado político, mas especificamente eleitoral, cada vez que eu leio “sou negro/negra e voto no Bolsonaro”, me dá um misto de perplexidade e tristeza. Não sinto raiva, por que a ignorância da maioria dos brasileiros é fruto da falta de educação, de saber como esse país foi construído, de analisar quem trabalhou de graça ( em condições deploráveis) para encher os bolsos de quem, e quais era as cores dessas pessoas. Se pobreza é negra, não podemos desassociar raça de discussões políticas jamais.
Comprar discursos eleitorais que não contemplem aspectos raciais tem, pelo menos, duas problemáticas:
A primeira é ver o mundo na perspectiva da branquitude. Que interesse o homem branco, patrão de pelo menos uns 90% de todos nós (quando não são mulheres brancas), tem em questões que contemple diversidade e inclusão, se elas significam dividir a fatia do bolo dele?
O segundo ponto é diretamente ligado ao racismo. Fato que, por conta de uma abolição que aconteceu ontem, no sentido cronológico da história da humanidade, coloca negros e indígenas em condições piores em todos os aspectos sociais e econômicos. Se é papel do presidente, melhorar as condições sócio-econômicas, mas ele não enxerga cor, temos um problema.
Se você é negro e não gosta do PT e tem seus motivos para isso, é um direito. Porém quando você, por conta disso, dá voto a um candidato que colocou a palavra negro apenas uma vez no seu plano de Governo, você está escolhendo alguém que acha que racismo não existe, portanto, para que a necessidade de estratégias para melhorar a vida das pessoas negras e seus descendentes?
Houve um aumento de pessoas negras nas classes A e B nos últimos anos e isso está diretamente ligado aos programas do Governo que facilitaram os acessos às universidades. Com mais estudos, melhores empregos, melhor renda. Um ciclo negro virtuoso como merecemos.
Votar no candidato militar significa voltar mil casas em um jogo que já começamos em desvantagem. Ele não quer discutir o racismo, por que quer que você acredite que somos todos iguais. Que a senhora negra que pega ônibus para trabalhar na casa da patroa branca que já nasceu rica, só não é rica também por não ter se esforçado.
Se sua vida der errado nos próximo 4 anos, com fatores como perda de benefícios trabalhistas, aumento de impostos (para pobres, claro), o candidato militar vai dizer que a culpa é toda sua. E quer saber? Será mesmo.