Se hoje vemos um pouco mais de representatividade na publicidade, saibam que não foi um “despertar de consciência” voluntário das agências de publicidade brasileiras (brancas e elitistas) para a questão de diversidade.
Existe um movimento crescente de pessoas negras na área de comunicação e propaganda empenhado em dar à mídia brasileira, o rosto que condiz com o fenótipo da maioria dos brasileiros.
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Com o crescimento dos influenciadores digitais, hoje mais conhecidos como creators ou produtores de conteúdo, se percebeu que a maioria deles era de cor branca e grande poder aquisitivo. Não por acaso, com estrutura própria, muitos deles conseguiram se consagrar no Youtube e Instagram e hoje são ricos.
Esse segmento de produtores de conteúdo também precisa de mais representatividade e nesse movimento chega firme e forte a Black Influence, agência do publicitário Ricardo Silvestre.
O negócio é uma empresa de agenciamento, conexão e facilitação de influenciadores, creators e artistas negras e negros ou de periferia com o objetivo de conectar esses perfis às marcas, para, como Silvestre mesmo explica, “ajudá-las a se comunicar melhor e de maneira mais assertiva com o público negro ou periférico e também para monetizar a mídia negra”. Vale ressaltar que a comunidade negra movimenta 1,6 trilhão de reais anualmente.
Silvestre é publicitário graduado pela FIAM FAAM e com passagem pela Santa Fe University of Art and Design dos Estados Unidos.
Já trabalhou nas maiores agências de propaganda do Brasil. Entre elas, Young & Rubicam, Isobar, Tribal Worldwide, F/Nazca e Africa onde atendeu a clientes como Itaipava, TNT Energy Drink, Samsung, Red Bull, Shell, Apex e Vivo. Entre seus clientes estão Rodrigo França, João Diamante, Stephanie Ribeiro, Rene Silva e o site Mundo Negro.
Conversamos com ele para saber como anda a relação mercado publicitário e comunidade negra, de que forma seu trabalho funciona e qual é a real situação dos negros que tentam fazer da produção de conteúdo, seu ganha pão.
- Conte um pouco sobre o Black Influence. Ele surgiu por conta de pessoas te procurarem ou foi um movimento começado por você?
Eu sempre quis empreender em algo que de alguma forma pudesse colaborar com a comunidade negra. A ideia de lançar a Black Influence surgiu a partir de um convite do Rodrigo França para agenciá-lo. Ne mesma semana eu já pensei na possibilidade de expandir essa oportunidade para outros influenciadores e criadores de conteúdo.
- Como é feita a seleção dos clientes?
Muitos influenciadores chegam até mim por indicação de outros e também porque gostam da nossa proposta de trabalho. Em outros casos eu faço um mapeamento de perfis que eu acredito ter um grande potencial de crescimento e entro em contato.
- Qual tipo de recepção você tem ao falar do seu negócio par agências de publicidade? Ainda há o espanto?
Há um espanto sim, principalmente porque o mercado publicitário é composto majoritariamente por pessoas brancas de classe média alta. Apenas 3% dos profissionais de agências são negros. Há espanto também por ser uma proposta diferente e ousada. Diferente no sentido de que tudo o que acontece nesse mercado segue sempre o mesmo padrão e dificilmente há uma inovação.
- A figura do publicitário negro me parece ser algo que está sendo bem debatido e finalmente as agências , você já sente uma diferença nas campanhas efetivamente?
Esse debate chegou bem atrasado nas agências, mas aos poucos está sendo mais fomentado. Eu vejo uma pequena – quase minúscula – diferença em campanhas sim, mas percebo que muitas vezes não são criações sinceras, são feitas apenas para cumprir um protocolo.
- A impressão que dá é que sempre vemos as marcas fazendo publicidade com as mesmas pessoas. Você acha que isso acontece?
Acho que acontece sim e sempre. As marcas acabam criando referências em pessoas específicas e não dão oportunidades para outras com um grande potencial a ser explorado.
- O negro mais retinto, cabelo mais crespo, ainda é uma figura preterida pelo mercado publicitário?
A regra geral é: quanto mais escura é a cor da pele, mais preconceito e menos oportunidades. E como o mercado publicitário ainda é muito preso à uma questão estética, esse preterimento continua sendo perpetuado. É a mesma coisa com a pessoa negra de cabelo mais crespo. A verdade, cruel como ela é, é que para o mercado, esses perfis não são comerciais, não vendem.
- Há diferença entre o valor dos Jobs entre negros e brancos? O que precisa ser feito para diminuir essa diferença?
Há e sempre houve uma diferença gigante entre valores de cachês para ações. Os negros sempre ficam os valores menores e muitas vezes são os que mais trabalham e possuem mais propriedade e conteúdos qualificados. O que precisa ser feito, é um trabalho de conscientização. Os contratantes precisam entender sobre o valor – não só financeiro – do trabalho de uma pessoa negra. O exercício que eu sempre proponho é o questionamento de valores caso haja uma situação como essa. O mundo ideal para mim, é que profissionais negros se recusem a trabalhar a troco de um valor menor do que uma pessoa branca recebe. Mas, nós sabemos que não funciona assim e que essas pessoas precisam trabalhar e pagar suas contas como qualquer outras, e com muito mais dificuldade. Então nós precisamos continuar valorizando de todas as formas possíveis o trabalho dos nossos e acima de tudo buscar o devido reconhecimento financeiro e não aceitar menos do que isso.
- Como você imagina seu negócio em médio e longo prazo, o que te deixaria realmente satisfeito?
Eu imagino esse negócio numa linha crescente, visto que é um mercado pouquíssimo explorado, mas com um grande potencial. E o que me deixaria bem satisfeito seria ver as marcas realmente engajadas na luta antirracista e fazendo a sua parte, não só por obrigação, mas por acreditar que essa luta também é delas, que contribuem de algum modo e diretamente com a formação de opinião das pessoas.
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