Mundo Negro

“Minha trajetória na cozinha é um chamado ancestral”, afirma a baiana de acarajé Mãe Juci D’Oyá

Foto: Divulgação

Em Belém (PA), na Ilha de Cotijuba, vive e trabalha Jucilene de Souza Carvalho, mais conhecida como Mãe Juci D’Oyá, yalorixá, baiana de acarajé e guardiã da memória ancestral do povo preto, ribeirinho e indígena da região.

Nascida em Portel, no Marajó, Mãe Juci cresceu vendo mãe, avós e tias transformarem ingredientes em comida, afeto e cura. “Minha trajetória na cozinha é um chamado ancestral”, conta em entrevista ao Mundo Negro e Guia Black Chefs.  

Notícias Relacionadas


Em 2017, ao ser iniciada no Candomblé Ketu para a Orixá Oyá, ela recebeu a determinação de se tornar baiana de acarajé. “Na nossa tradição, todas as mulheres iniciadas para essa Orixá são orientadas a fazer o acarajé como forma de manutenção da ancestralidade e também para auxiliar nos custos. Foi nesse momento que compreendi que cada receita é também uma forma de manter viva a nossa cultura e espiritualidade.”

Foto: Divulgação

“O prato que mais me representa é o acarajé, alimento sagrado que conecta o Pará à África e reafirma a presença da mulher preta como guardiã da ancestralidade”, afirma a fundadora do Acarajé da Juci D’Oyá, negócio que carrega seu nome e identidade.

O empreendimento Acarajé da Juci D’Oyá é um negócio familiar. Hoje, a empresa é gerida pelos seus filhos e também conta com o apoio de sua mãe, tias e amigos próximos. Juntos, aceitam encomendas dos clientes e participam de feiras e eventos na região, fortalecendo a tradição e criando um espaço de encontro e acolhimento. “Ainda não tenho um espaço fixo de restaurante, mas meu tabuleiro é meu altar”, explica. 

Racismo Gastronômico

O caminho, no entanto, não foi fácil. “Ser uma mulher preta, lésbica, ribeirinha e da tradição do axé é carregar muitas camadas de resistência”, ressalta. 

Em 2019, Mãe Juci relata que junto a outros trabalhadores negros, foi impedida de trabalhar na Praça da República, em Belém, durante a chamada “faxina ética” promovida pela gestão municipal da época, de extrema direita, que ela também classifica como racismo gastronômico. “Com a justificativa de que Acarajé não é um alimento paraense e eu não poderia estar ali”.

Mas segundo a Mãe Juci, a praça é um território de memória, com um cemitério arqueológico de pessoas escravizadas. “Ser retirada daquele espaço foi doloroso, mas reforçou o meu compromisso com a luta. A gastronomia negra não é só alimento — é memória, território e dignidade”, afirma.

Cozinha como ato luta e resistência

Para Mãe Juci, cozinhar é mais do que um ofício: é um manifesto. “Cada Prato que preparo é também uma afirmação da resistência negra, indígena e ribeirinha no Brasil. Minha identidade racial não está separada da minha história: ela é a base de tudo. Carrego no ofício a memória da diáspora africana e daqueles que já habitavam aqui, a luta das mulheres pretas e Indígenas e a sabedoria dos povos de terreiro.”

O próximo passo é expandir o alcance do Acarajé da Juci D’Oyá para outros estados e até outros países. Mãe Juci sonha em abrir um espaço fixo que seja também um ponto de cultura e resistência, além de seguir fortalecendo a presença das Baianas de Acarajé na Amazônia.

Mãe Juci é Yalorixá do Ilê Omo Oyá Odé Axé Omi Dáa Ofùurufu e sacerdotisa do Terreiro de Umbanda Casa de Mãe Herondina. Além da cozinha, também atua como benzedeira e parteira. “Minha vida é dedicada a cuidar de pessoas, seja pelo alimento, pelo axé ou pelo acolhimento. Minha maior missão é honrar os ancestrais e abrir caminhos para que outras mulheres pretas também ocupem seus lugares de dignidade e protagonismo.”

Notícias Recentes

Participe de nosso grupo no Telegram

Receba notícias quentinhas do site pelo nosso Telegram, clique no
botão abaixo para acessar as novidades.

Comments

Sair da versão mobile