Mundo Negro

Medida Provisória é uma história de amor atravessada pelo terror do racismo

Taís Araújo e Alfred Enoch são Capitu e Antonio em Medida Provisória - Foto: Mariana Vianna

Em mais uma manhã abafada no Rio de Janeiro, a médica Capitu (Taís Araújo) se despede do seu parceiro, o advogado Antonio (Alfred Enoch) e do primo dele, o jornalista André (Seu Jorge) e sai do apartamento que os três dividem, para mais um dia de trabalho.  Usando um sapato confortável para enfrentar uma maratona de cirurgias, ela entra no seu carrão rumo ao hospital e nem desconfia que em poucas horas a vida dela e de todos os negros brasileiros teria uma guinada dramática, truculenta e imprevisível.

Em poucos dias, André e Antonio são os únicos negros que se tem notícia em todo o Brasil e vivem, ou melhor, sobrevivem dentro de um apartamento sem comida, luz, água e Internet e têm na opinião pública internacional a esperança de saírem vivos dessa situação.

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Medida Provisória estreia dia 14 de abril e é primeiro longa dirigido por Lázaro Ramos, com uma trama tensa, baseada no texto genial da peça “Namíbia não” de Aldri Anunciação (que também está no filme).

Algumas cenas nessa história lembram um pouco o drama das mulheres na série “O conto da Aia”, semelhança citada por Lázaro Ramos, no programa Roda Viva. Porém, nesse roteiro nacional, afrodescendentes de todos os tons e idades, são caçados, literalmente, pelas autoridades para serem enviados de forma compulsória para África. Ao contrário do romance da autora canadense Margaret Atwood, o enredo, nesse caso, naturalmente nos remete à História do Brasil e o trajeto inverso e ainda mais violento dos Africanos para outros continentes.

O AMOR COMO ESTRAGÉGIA DE  ARTE E DE LUTA

Um ingrediente fundamental para a sanidade de Antonio, André e da Capitu, que está distante do seu companheiro, é o amor.  “Essa é uma grande lacuna na dramaturgia brasileira que é você ter várias representações da população negra, inclusive no romance porque a gente tem isso nas nossas vidas e essa dramaturgia não foi contada por nós”, explica Taís Araújo.

Taís Araújo e Alfred Enoch como Capito e Antonio:Foto: Divulgação

Alfred Enoch detalha que esse amor também estava no set e foi fundamental para amortecer o impacto emocional de viver personagens tão intensos. “O Lázaro ajudou muito nisso criando um clima agradável, onde todo mundo se dava bem. Ele escolheu pessoas legais que ele sabia que iriam trabalhar com amor, com afeto e com paixão e dessa forma, apesar das cenas tensas, se tornou um processo prazeroso”.

Elfred Enoch e Seu Jorge – Foto: Mariana Vianna

A presença do amor não faz de Medida Provisória um filme romântico, como expectador a sensação é próxima de um filme de terror, seja pelas angústias claustrofóbicas dos residentes do “afro bunker”, uma espécie de quilombo urbano, seja pelos ares sádicos de Adriana Esteves e Renata Sorrah que parecem se alimentar dos sofrimentos das pessoas de “melanina acentuada”.  “Mesmo que ali na tela tivesse esse assunto,  de violência o jeito da gente trabalhar era no amor e no afeto. Esse respeito e afeto nos leva hoje a ter o filme brasileiro com mais negros na frente e atrás das câmeras da história. Esse respeito e esse afeto fazem com que a gente tenha um filme onde a mulher negra tenha um papel protagônico que tem em muitos poucos filmes. Com uma profissão e classe social que não se encontra no cinema”, comenta Lazinho.

Emicida dentro do Afrobunker – Foto: Mariana Vianna

Ainda sobre o amor, Seu Jorge celebra e agradece por André, seu primeiro personagem com um perfil mais leve. “Eu nunca tive a oportunidade de fazer personagens divertidos. Os meus personagens nunca são divertidos. São gente que sangra, sofre, chora e sofre muito. Não é muito diferente com o André, mas ele tem uma leveza. Estamos falando de um jornalista, que é primo de um advogado e de uma médica. Esse lugar a gente não vê muito, de pessoas negras em lugar de poder”, argumentou o cantor.

Seu Jorge, como o jornalista André – Foto: Mariana Vianna

Medida Provisória é provavelmente uma experiência angustiante para o espectador não branco e talvez até para o branco, mas o conforto vem quando o melhor do lado humano se faz presente.  “Esse filme, apesar de falar de violência urbana, as armas que aparecem são com um propósito muito específico, uma mensagem muito específica. Não é à toa o Emicida troca uma arma por um livro. Nos queremos ir além da dor e mostrar nossas potências e o caminho que a gente sonha”, finaliza o diretor Lázaro Ramos.

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