Mundo Negro

Maíra Azevedo em cena: uma análise sobre o seu novo espetáculo: ‘E Eu Com Tudo Isso?’

Por Rodrigo França

Assisti ao ensaio geral do espetáculo E eu com tudo isso? a convite da produção. Que privilégio testemunhar esse solo arrebatador de Maíra Azevedo. Um dos trabalhos mais engraçados, potentes e verdadeiros que vi nos últimos tempos.

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O novo espetáculo de Maíra Azevedo, E eu com tudo isso? é como se encontrar diante de um espelho cômico que, em vez de julgar, nos abraça. O riso que se forma na plateia não é mero escape. É catarse. É identificação. É memória. É um reconhecimento íntimo das dores, dos acúmulos, dos silêncios e da resistência cotidiana de quem tenta manter a lucidez em meio ao turbilhão da vida.

É importante frisar: Maíra Azevedo é, hoje, uma das maiores atrizes cômicas deste país. E essa afirmação não se sustenta apenas na presença de palco ou no carisma. Sustenta-se em sua capacidade de criar um texto que é ao mesmo tempo leve e denso, hilário e reflexivo. Sua trajetória no audiovisual é brilhante, mas o teatro permanece como lugar de origem, de entrega e de potência. E ela faz questão de não esquecê-lo. Pelo contrário, fortalece-o. Sua formação em jornalismo sustenta e aprofunda a força da sua narrativa, que é sempre instigante, precisa e carregada de sentido.

Maíra, que já havia nos presenteado com o sucesso Tia Má com a Língua Solta, volta aos palcos com um monólogo ainda mais lapidado, que mescla a inteligência da cronista afiada com o domínio de cena da atriz que conhece profundamente o tempo do riso. É um espetáculo que, ainda que caminhe sobre a leveza do humor, carrega uma profundidade tocante. Fala da sobrecarga, do esgotamento, da invisibilidade das mulheres, sobretudo das mulheres negras, com a precisão de quem vive, observa e elabora. Mas o faz sem perder a graça, o frescor, a escuta generosa que transforma as dores em gargalhadas.

Com direção cuidadosa de Magali Moraes e produção de Val Benvindo, o espetáculo encontra o ponto exato entre o cômico e o crítico. Nada é gratuito, nada é jogado para plateia apenas por efeito. Cada piada tem endereço certo, cada gesto comunica, cada silêncio também fala. E ali está Maíra, sozinha no palco, preenchendo o espaço com a força de quem sabe contar histórias. Histórias que pertencem a muitas.

A personagem, que poderia ser qualquer uma entre tantas, tenta dar conta do trabalho, do companheiro, da maternidade, dos pais idosos, da casa, da vaidade, das cobranças… de si. Não por acaso, o título do espetáculo soa como desabafo e provocação: E eu com tudo isso… E a gente se vê nessa mulher. Se vê como mãe. Se vê como filho. Se vê como família. Porque há algo de universal, ainda que profundamente situado, na forma como Maíra constrói a narrativa. Ela nos lembra que o riso não precisa violentar, não precisa zombar da dor do outro. Ele pode, e deve, ser afeto.

O espetáculo que estreia no Teatro Jorge Amado, em Salvador, nos dias 8 e 9 de agosto (19h), é daqueles que merecem ser vistos e revistos. Não há como sair indiferente. A cada cena, o riso se mistura ao pensamento. E ao fim, a vontade que fica é de aplaudir de pé e agradecer. Porque Maíra nos oferece algo raro: a possibilidade de rir da vida, não para negá-la, mas para reexistir dentro dela.

Ela não apenas faz rir. Ela nos devolve o riso como ferramenta de resistência. E, convenhamos, isso é arte em seu estado mais alto.

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