Durante a adolescência, eu não compreendia o porquê do excesso de preocupação que a minha mãe tinha comigo. Bastavam os meus amigos me convidarem para batermos uma bola, ou irmos ao baile e samba de roda, ou dar volta pelo bairro, entre outras coisas, que o desassossego de Dona Lourdes se apresentava. A triste verdade é que a paz das pessoas negras nunca é duradoura.
Antes que eu saísse de casa com os amigos, a minha mãe verbalizava a lista de recomendações: não corra, não arrume confusão, peça desculpas sempre que necessário, não volte tarde, não esqueça de levar os documentos (mesmo que fosse para ir à esquina), evite usar boné e touca, etc.
Notícias Relacionadas

Porém, apesar da lista, dificilmente eu cumpria todos os itens. Tanto que, retornar para casa de madrugada, nos finais de semana, era bem comum. Nessas ocasiões, eu chegava de mansinho para não acordar a Dona Lourdes (quem disse que ela dormia?). Com as luzes apagadas de toda a casa, a minha mãe já estava me esperando na sala: “Já falei que tem muita gente ruim. Não gostam de pessoas negras; pare de andar por aí até tarde, é perigoso!”, eu ouvia caladinho. No geral, a força das palavras, que soavam tão ásperas, também deixava nítido o sentimento de alívio por não ocorrer nenhuma violência comigo.
A situação piorou muito quando dois dos meus amigos, num curto espaço de tempo, foram assassinados; um pela polícia, o outro não sabemos quem o assassinou. Lembro que a minha mãe ficou muito mal. Ela acreditava que o meu destino seria o mesmo “roteiro trágico” dos meninos. Era somente questão de tempo. Agora me responda, como nutrir outro pensamento, diante de um mar de lágrimas escoando dos lares das famílias negras? Violências em cima de violências; assassinatos, prisões e dependência química comumente presentes na vida dessas pessoas. Permanecer otimista e equilibrado emocionalmente é quase heroico. Em reportagem, a Agência Brasil (2025) apontou que os negros são 3,7 vezes mais vítimas em intervenções letais da polícia paulista. Moramos na periferia de São Paulo; acho que essa informação e os dados da reportagem ajudam você a compreender — ainda mais — o meu ponto.
Lá se foram mais de quarenta anos. Mas o temor da minha mãe não acaba, e com razão. Ela sabe que o racismo no Brasil não descansa um só momento. Nas ocasiões em que vou visitá-la, Dona Lourdes comenta sobre as violências racistas que viu nos noticiários da TV, e aproveita para reforçar a preocupação que tem comigo. Eu só escuto. Diferente do passado, entendo não haver como tranquilizar-se sabendo que neste país o seu filho é um potencial cadáver.
Notícias Recentes
