Mundo Negro

Laudelina de Campos: a ativista que transformou a vida de empregadas domésticas no Brasil

Foto: © Wikimedia Commons

Por: ONG Criola

Em um Brasil em que o trabalho doméstico era visto como uma “obrigação natural” das mulheres negras, herança direta do período escravocrata, uma voz pioneira se ergueu. Laudelina de Campos Melo, que no último domingo, 12 de outubro, faria 121 anos, não aceitou o silêncio. Em 1936, aos 32 anos, a neta de escravizadas fundou, em Campinas (SP), a Associação de Empregadas Domésticas, a primeira da categoria no país. Com este ato disruptivo, Laudelina não criara apenas uma entidade, mas plantara a semente de uma luta que, décadas depois, geraria frutos com a conquista da PEC das Domésticas, aprovada em 2013.

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A luta de Laudelina era prática e nascia de sua própria experiência. Nascida em 1904, na cidade de Poços de Caldas (MG), começou a trabalhar como empregada doméstica aos sete anos. Mesmo após se formar professora, viu o racismo impedi-la de lecionar, sendo empurrada de volta ao serviço doméstico. A discriminação dupla, de raça e de gênero, moldou sua visão.

A associação que fundou não se limitava a reivindicar melhores salários. Funcionava como uma rede de apoio integral. Ela organizou um clube de lazer para as trabalhadoras, um espaço onde podiam socializar e se reconhecer como comunidade, rompendo o isolamento característico da profissão. Mais tarde, criou uma creche para que as mães trabalhadoras tivessem onde deixar seus filhos, um problema que ela mesma enfrentara. Laudelina entendia que a emancipação passava por garantir direitos trabalhistas, mas também por assegurar dignidade e condições de vida.

Baile da Pérola Negra. Restaurante Armorial, São Paulo, SP, 1957. Fotografia analógica/Autoria não identificada. Acervo Sindicato das
Trabalhadoras Domésticas de Campinas/Divulgação Instituto Moreira Salles

Ela combatia a invisibilidade. Em uma época em que as domésticas sequer eram reconhecidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de 1943, sua associação foi um ato revolucionário de reconhecimento: o serviço doméstico é trabalho, e quem o executa merece respeito. Ela abriu as portas para a organização coletiva, mostrando que empregadas domésticas podiam e deviam ser protagonistas de suas próprias histórias. Sua luta era, acima de tudo, antirracista, pois desmontava a ideia de que mulheres negras deveriam servir sem questionar.

O legado de Laudelina

Essa trajetória de resistência, que incluiu a refundação do sindicato sob a ditadura do Estado Novo e sua persistência mesmo com a perseguição política, pavimentou o caminho para que, em 2013, a Emenda Constitucional 72 fosse promulgada. Conhecida como PEC das Domésticas, ela estendeu direitos fundamentais como FGTS, hora extra, seguro-desemprego e limitação da jornada a milhões de trabalhadoras. A PEC não caiu do céu; foi conquistada sobre o alicerce construído por Laudelina e pelas gerações de mulheres que, inspiradas por ela, continuaram a lutar.

Dona Zica, associada da ONG CRIOLA e uma das lideranças que fundaram, nos anos 1980, o Sindicato dos Trabalhadores Domésticos do Município do Rio de Janeiro, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e o Partido dos Trabalhadores (PT), reflete sobre esse legado: “Laudelina nos ensina que a liberdade é uma construção coletiva. Ela desafiou sozinha a estrutura racista e patriarcal que relegava as mulheres negras aos cantos da sociedade. Sua coragem ao criar o primeiro sindicato foi um ato de afirmação da humanidade dessas trabalhadoras. A PEC é a materialização contemporânea desse sonho, uma vitória que carrega o DNA da sua luta pioneira pela cidadania plena para todas nós”.

A luta atual contra o racismo

Hoje, mesmo com os avanços, a batalha pela valorização da categoria continua, com a informalidade e o racismo como obstáculos centrais. Mas celebrar Laudelina, que se estivesse viva faria aniversário no próximo dia 12 de outubro, é lembrar que uma mulher negra, com raízes na escravidão, mudou os rumos do trabalho doméstico no Brasil, transformando servidão em profissão.

Lúcia Xavier, coordenadora geral da ONG CRIOLA, organização que, há mais de 30 anos, luta pelos direitos de meninas e mulheres negras, fala sobre a importância de Laudelina para a causa. “Laudelina representa, no campo da atuação política das mulheres negras, um ícone da atuação coletiva. Ela não agiu somente olhando para si, mas para todo o conjunto de mulheres que, como ela, enfrentava aquela mesma situação de degradação e de trabalho precário. Nesse sentido, quando ela funda um sindicato, uma associação das trabalhadoras, e traz para o convívio social as mulheres negras na condição de trabalhadoras domésticas, ela inverte o processo político, constituindo coletivos, associações, trabalho gerado por todas elas para alcançar seus direitos”, analisa.

O legado de Laudelina é um projeto vivo. Ela não fundou apenas um sindicato, mas uma possibilidade, cultivada por gerações, que segue florescendo na luta por um país que um dia reconheça o trabalho no lar como sinônimo de dignidade e igualdade.

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