Kenia Aquino, aeromoça e fundadora do coletivo Quilombo Aéreo, publicou uma live no Instagram nesta tarde (28), para falar que foi vítima de racismo por um motorista da 99 no dia 19 de julho, em Porto Alegre (RS). “Eu conversei com o meu terapeuta, com os advogados que estão me acompanhando para fazer essa live”, inicia o vídeo.
Como diretora do ODABÁ – Associação de Afroempreendedorismo de Porto Alegre, Kenia estava a caminho da Câmara Municipal de Vereadores da cidade, para participar da primeira reunião sobre a inscrição da organização na comissão de aferição da heteroidentificação de cotas raciais nos concursos na casa legislativa. Ela solicitou a corrida pelo aplicativo, mas se atrasou para chegar no carro.
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“Eu mandei uma mensagem pra ele dizendo que estava chegando lá embaixo [do prédio] e ele mandou que não era pra eu ter pressa. Quando eu cheguei, a corrida já tinha sido cancelada porque eu levei mais de três minutos para descer e a corrida é cancelada automaticamente. Automaticamente também chega uma multa, R$ 5, tudo certo”, explica como tudo começou.
“Fiquei esperando o próximo motorista chegar, ele viria no carro vermelho. No que eu estou sentada esperando, para um carro prata na frente do meu prédio. Esse motorista decidiu olhar pra mim e falar algumas coisas que eu não entendi. Como eu estava aguardando o motorista do carro vermelho, eu não prestei atenção nele, continuei olhando o celular. Mas ele insistiu em falar alguma coisa”, diz.
Só depois que ela percebeu que o homem era o motorista do primeiro carro solicitado pela 99. “É natural que a gente desça de um prédio para pegar um carro por aplicativo e por ventura se atrase e já pra isso que existe a multa e a corrida é cancelada. Não tem nenhum problema com isso. Quando eu não entendi o que ele falou, ele falou mais alto. Proferiu as seguintes palavras: ‘Tinha que ser preto’. Com todas as palavras. Quando eu entendi o que ele falou e me assustei, ele fechou o vidro e saiu”, lembra ainda assustada.
“Ele voltou ao meu endereço, voltou pra porta da minha casa pra ser racista comigo. Na certeza de que esse país é um país que não tem impunidade para crime de racista”. E completa: “Na hora, a minha ficha demorou pra cair. Quando eu entrei no segundo carro, eu sentei e comecei a chorar copiosamente de nojo, de raiva. Essa pessoa voltou pra minha casa e me agrediu”.
A violência deixou Kenia ainda bem reflexiva antes de tomar uma providência contra o motorista. “Agora eu já fiz o boletim de ocorrência, denunciei na plataforma e eu estou aguardando uma posição oficial da 99 e é pra isso que eu estou fazendo esse vídeo”. E explica: “Perguntaram obviamente se eu tinha testemunhas, vídeos, prints. Estamos na batalha para conseguir porque tem mais esse agravante. O racismo é o crime perfeito. Ele é cometido e dificilmente a gente consegue uma prova, mas eu vou conseguir. A única pessoa da minha rua que viu o carro retornando até a porta da minha casa, se recusou a depor. Disse pra mim que não seria minha testemunha. Eu não vou me conformar, me silenciar”.
Segundo a aeromoça, o 99 informou que está analisando o perfil do motorista. “Eu tô atrás das câmaras da minha rua, porque o meu prédio, infelizmente, ainda não tem câmera. Era um movimento importante na minha vida, um dia importante pra mim. Eu ainda choro quando eu lembro. É como um tapa na cara”, desabafa aos prontos.
E lamenta: “A minha palavra deveria ser o suficiente. Eu não acordaria um dia de manhã e decidiria abrir um um boletim de ocorrência contra uma pessoa. A 99 tem que se responsabilizar pela conduta dos seus motoristas. Eu espero que vocês tirem esse monstro racista que presta serviço pra vocês”.
Kenia diz que está em contato com a plataforma do 99 desde o dia 22, um dia depois do ocorrido e até o momento, a única medida tomada foi o bloqueio no perfil do motorista. Em nota ao MUNDO NEGRO, a 99 ainda não garantiu o desligamento do mesmo. Leia na íntegra:
“A 99 lamenta profundamente o ocorrido com a passageira Kenia Aquino Garcia. Assim que o relato foi registrado, foi aplicado o bloqueio no perfil do motorista e uma equipe foi mobilizada e está tentando contato com a Kenia para oferecer todo o suporte e acolhimentos necessários. A plataforma se coloca à disposição para suporte. A plataforma também está disponível para colaborar com as investigações das autoridades, se preciso.
A empresa tem uma política de tolerância zero em relação a qualquer tipo de discriminação e repudiamos veementemente o caso. O respeito mútuo é a base de tudo e é obrigatório para utilização do app. Todos os usuários, sejam eles motoristas ou passageiros, devem se tratar com educação, boa-fé e profissionalismo, independente de sua religião, credo ou raça. Em comportamentos como esse, que vão contra os Termos de Uso e o Guia da Comunidade 99 e medidas cabíveis são adotadas, podendo resultar em bloqueio definitivo”.