
A falta de reação no primeiro momento em que Rodolffo fez a piada racista com o cabelo de João, do BBB21, deixou o brother Black, aparentemente, apático. Isso levou algumas pessoas a questionarem. Negros questionaram por acharem que ali era a hora e o lugar de colocar o sertanejo sentadinho pra ouvir poucas e boas (com a eloquência de um professor). E defensores do goiano disseram que ele não falou nada na hora, porque estava planejando usar isso em um momento oportuno. Como no jogo da discórdia, expondo seu descontentamento com a comparação pejorativa de seu cabelo a uma fantasia de troglodita ao vivo.
Eu tenho algumas observações sobre isso. Primeiro, a questão de ele não reagir por, talvez, não ter se incomodado tanto com o comentário. Gente, quem é preto sabe, somos programados pra aceitar. Ok, conheço gente que nasceu em lares maravilhosamente desconstruídos, mas, sendo o caso de João ou não, vivemos cientes do racismo, mas fica aquela pulga atrás da orelha se é isso mesmo que ouvimos, se vale a pena reclamar ou mesmo, se reclamarmos, de quê adiantaria. Como disse Camila de Lucas, estamos cansados de explicar o óbvio. Não é nossa responsabilidade acabar com o racismo, é diferente. É uma missão autoimposta de forma compulsória pela sociedade. Uma autodefesa pelo nosso próprio bem. Quem trouxe o racismo foi o colonizador. A herança da gente negra deveria ter foco em nossa herança e levar adiante nosso legado afro. Mas não é assim, eu sei. Utopias.
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Outro aspecto citado é uma possível armação, ou um plano de última hora, de guardar aquilo até soltar na hora que fosse mais potencializado. Olha, ali é um jogo e tals, mas não há como associar uma estratégia dessas a João. Nem conheço o participante pra afirmar por ele, então, isso aqui é uma opinião minha, Fernando Saga. Vamos analisar os fatos, pra não cairmos em falácias, fofoquinhas, ou nas temidas fake news: João não deu a resposta que Rodolffo merecia na hora e momentos depois, sem querer, justificou em desabafo com Camila de Lucas. Ele se disse chateado e surpreso por ali, também, ter que subir no púlpito do discurso de que é errado associar traços genéticos de um negro a objetos pouco prestigiados. Se fosse comparar com um objeto como uma coroa, aí, sim, mas não é assim que acontece de gente daquele calibre, né? Então, João, nitidamente, não reagiu por puro golpe que sofreu no contrapé.
“Ah, mas, Saga, se João não teve reação de primeira e logo depois expôs o Rodolffo na hora mais chamativa, como você analisa o comportamento dele?”. Simples, nem alheio ao racismo e nem esse jogador frio e calculista que usou um vacilo do colega pra derrubá-lo. Não teve esse jiu jitsu psicológico. Deixa eu propor um negócio que vai ilustrar bem o quão despreparados pra reagir ao racismo podemos estar e isso não é demérito do negro, independente de seu grau de instrução na matéria da vida em questão. Vamos voltar quase 30 anos no tempo e reviver Um Maluco no Pedaço (sério, já tem tudo isso), aquela famosa série estrelada pelo atual Hollywood star Will Smith. Quem lembra de um episódio, bem na primeira – ou primeiras – temporada(s), quando Will – e seu primo, Carlton – se oferecem ao saudoso Tio Phil para levarem seu carrão a uma casa de veraneio, onde o pai da família Banks veraneava com esposa e colegas de trabalho?
Naquela feita, Carlton dirigia o carro de luxo (compatível com a condição social financeira de um advogado rico pai/tio dos meninos) quando são parados pela polícia. Will, cria dos subúrbios, já antecipava as ordens do homem da lei, ao passo que Carlton, cria dos clubes e salões de uma área nobre, hesitava em aceitar que aquilo estava acontecendo. Até que não deu outra, foram presos. Não estavam correndo, não tinham drogas ou armas, nem nada. Apenas dirigiam o carrão do Tio Phil e foram presos. Para Will, estava muito certo o que havia ocorrido (a cena dele levantando, saindo do carro e encostando as mãos no capô é tão hilária quanto dolorosa). Tio Phil é acionado e liberta os garotos sob grandes ameaças da lei pela acusação de racismo. Parecia tudo resolvido, mas é aí que vem a questão da falta de reação. Segue o próximo parágrafo.
Para Will, Carlton era um alienado playboy que reluitava em acreditar na verdade das ruas, da sociedade, de que um negro não poderia ser parado pela polícia, muito menos preso, só porque dirigia um carro caro, de rico. Para Carlton, Will estava sendo pessimista, porque aquele policial era uma exceção, a polícia existe mesmo para proteger a todos os cidadãos de maneira igual. Então, Will, sem paciência, pede a Tio Phil que converse com seu próprio filho. Carlton se vira para o pai e pergunta se, na ausência de outros motivos, o policial os parou por andarem a baixa velocidade, procurando placas de orientação. Tio Phil responde – e essa é de cortar o coração – “Filho, eu me perguntei isso desde a primeira vez em que fui parado” e sai. Carlton reflete consigo e se questiona: “Eu me pararia?”. E o episódio termina sem risadas.
Mas porque falei todo o episódio no meio de um texto que fala sobre a falta de reação de um negro diante do racismo. É porque esse caso é gatilho monstruoso pra quem é negro e sofre esse tipo de racismo cínico. Agora, fica uma galera fazendo a Lumena e dizendo que João se aproveitou de uma causa importante pra se dar bem no jogo. O engraçado, é que ainda não vi deputados e vereadores ameaçando processar Rodolffo por racismo, já que até racismo reverso inventaram na Lumena, durante sua implicância com Carla Diaz. Conheço casos – pra não dizer que falo de mim – em que amigos próximos só conseguiram chorar depois de, no máximo, conseguir responder algum desaforo em situações parecidas.
Eu mesmo, durante a infância, numa situação atribulada, já ia sendo levado por PMs, na saída de um baile funk, num bairro de subúrbio perto de onde nasci. Era dia dos pais, meus pais separados, eu com meu pai, na volta pra casa de minha mãe. Na correria por um ônibus lotado, meu pai se afastou pra tentar o ônibus que cortava pela pista de fora e eu, desligado que só, fiquei sozinho e parado do alto de meus 10, 11 anos, até que o braço amigo da lei me pegou pelo braço… na verdade, um de cada lado. Eu olhava pra cima, tentava entender e eles me guiando sei lá pra onde. Meu pai viu e interviu e, questionado, confrontou os caras até que viram que ia ter barulho maior do que levar mais um neguinho pra um passeio, num domingo à noite, nas proximidades de um lugar quase inóspito. Será que eles iam me ajudar a procurar meu pai ou algum adulto responsável? Será que eu deveria ter alguma reação?
Então é isso, João ficou sem reação porque pra gente é tão natural sermos nós mesmos, que quando somos lembrados por situações estúpidas dessas, nem nos ligamos que era pra ter enfrentado de forma contundente. Nem todos estamos com essa guarda alta 100% do tempo, pra dar uma resposta com sentido simbólico de uma pedrada.Porque o racismo é isso, é uma agressão. Já fazemos bonito de não buscarmos vingança pela história, e sim reparação, respeito e igualdade. No mais, não julguemos os nossos, que não tomam atitudes ríspidas, ou mesmo elegantes, já de cara. A sociedade nos fez por muito tempo acharmos que toda porrada em nós é natural, enquanto toda reação contra isso, é coisa de revoltado que não aceita uma brincadeira.
E tem os irmãos que têm síndrome de mucama, que defendem a ofensa e o ofensor sob o pretexto de piada, de brincadeira, de algo normal, que sempre esteve aí… Não é assim. Orientemos a todos os nossos, porque ainda precisamos nos preparar muito enquanto povo. E isso só dá com o tempo e com persistência. Tenho certeza que numa próxima, João já rebate e nem perde tempo tentando ensinar. Como disse Camila de Lucas, o Google tá aí e não pesquisa quem não quer. Falando nisso, depois desse episódio, as buscas por temas como racismo e cabelo Black aumentaram absurdamente. Sei que é fogo de palha, mas nesse meio, com convicção, afirmo: Tem gente ali que lá na frente vai levar a pesquisa adiante e teremos mais gente se chegando nas lutas com textos, filmes, séries, ações sociais e música. Pois, já dizia Simonal: Com uma canção também se luta, irmão. E, João, nosso cabelo é lindão! Quem não gosta, que se aperreie, porque a gente passa, eles não.
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