Texto: Mauro Baracho
Ontem, depois do anúncio da reserva de vagas para pessoas negras na farofa da Gkay, Antonio Isuperio, que seria o curador destas ações afirmativas, vem sofrendo uma série de questionamentos sobre sua autodeclaração como homem negro, e é sobre esta repercussão que me proponho a discorrer neste texto.
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Este texto não terá respostas simples, até porque se querem uma resposta simples me perguntem se torço para o Galo ou para o Cruzeiro. Logo, sobre este tema é impossível ser tão simplista, e explicarei o porquê. Primeiro, que não acredito que a autodeclaração de Isuperio seja mero oportunismo. Penso que um cara que já recebeu ameaças de morte por se posicionar em defesa de grupos minoritários, tem mais amor pela vida do que pela fama.
Segundo, ele me parece viver bem nos EUA e não faria muito sentido tentar enriquecer no ativismo, como se o ativismo desse dinheiro. Eu realmente acho que Isuperio sustenta sua autodeclaração baseado nas experiências que teve ao longo de sua vida, que o fizeram acreditar ser uma pessoa negra. No entanto, eu também entendo as pessoas que encontram dificuldades em ler Antonio como uma homem negro. A leitura racial é sempre algo relacional e conectada a diversos fatores.
Para uns, é impossível ler uma pessoa que tenha a pele muito clara e os olhos claros como uma pessoa negra. Para outros, é difícil entender uma pessoa que tenha o cabelo crespo e traços associados aos negros como uma pessoa branca. Este é um lugar em que pessoas com o fenótipo de Isuperio, que decidiram se autodeclarar negras, terão de aprender a estar. Posto isso, o que não acho nada produtivo é o linchamento público. Penso que provocar um sofrimento identitário é uma pena pesada demais para uma possível ideia equivocada de cotas na farofa.
Além disso, penso no movimento cascata que isso provocou nas pessoas negras pardas que reviveram no linchamento de Antonio memórias das vezes que tiveram os portões de Wakanda fechados bem no meio de suas caras. Digo que o grupo pardo é um grupo em disputa, e não existe maior população negra fora da África sem os pardos. Devemos pensar que este movimento tem acendido um outro que o do “orgulho pardo”, que, muitas vezes, constitui-se como um movimento de ressentimento contra os pretos, nunca contra os brancos.
Desde Virgínia Bicudo a Kabengele Munanga, os conflitos entre “pretos e pardos” ou “Negros e mulatos” são abordados como um fator de enfraquecimento do grupo negro no Brasil. No que me cabe, respeito Antonio Isuperio, baseado no princípio de que a autodeclaração é um direito, assim como entendo as pessoas que não veem nele uma pessoa negra e que detestaram a ideia das cotas na farofa. Mas não posso compactuar nem respeitar seu linchamento, nem a ideia de que estamos batendo mais nele do que na própria G-kay, que outrora já se posicionou de forma bem racista contra as cotas raciais. Nessa farofa toda me preocupa muito o monstro que estamos alimentando com ela.