Mundo Negro

‘Falas Femininas’ expõe a realidade das trabalhadoras domésticas negras e a contradição das patroas brancas

Foto: Manoella Mello/ Globo

Contém spoilers*

“Eu não sou uma mulher?” – essa famosa frase da abolicionista afro-americana Sojourner Truth, realizada em um discurso potente na Convenção de Mulheres em Akron, Ohio, em 1851, em defesa das mulheres negras, marca a grande estreia do especial ‘Falas‘, exibida na noite desta segunda-feira (06), na TV Globo.

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Escrito por três cineastas negras: Renata Martins, Grace Passô e Jaqueline Souza, o episódio “Falas Femininas – Histórias Impossíveis“, lançado na semana do Dia Internacional da Mulher, celebrado em 8 de Março, traz uma narrativa de ficção sobre a Mayara (Luellem de Castro) e Laura (Isabel Teixeira), em uma relação de empregada doméstica negra com a patroa branca.

A história intitulada “Mancha“, mostra Mayara em seu último dia de trabalho, pronta para seguir os seus sonhos ao passar no vestibular e deixar a vida de empregada doméstica, que já vinha de gerações. Sua avó trabalhava para esta mesma família. Mas Laura, tenta se convencer de que não é uma mulher branca como as outras, afinal, ela acredita que é uma mãe solo dedicada, que valoriza a cultura negra com esculturas africanas pela casa, retrato de crianças pretas retintas e deixa uma boneca negra no berço da sua filha.

Foto:Manoella Mello/ Globo

Mas ao longo do dia, assim como qualquer outra patroa branca, ela pede para que a Mayara desista dos seus sonhos para continuar cuidando da sua filha e se incomoda com a comemoração da jovem junto com as colegas do trabalho, por romper um ciclo familiar de desigualdade e serventia.

Os minutos passam, e Laura passa de um olhar meigo e acolhedor, para um olhar obsessivo, agonizante e de revolta. Ao invés de deixar que Mayara saia um pouco mais cedo do trabalho depois de finalizar as tarefas, ela pede para que a jovem limpe uma “mancha” na janela da sala, colocando em risco a vida dela.

No início do episódio, Laura precisa da ajuda de Mayara para segurar a escada, pois ela queria limpar o lustre, da mesma forma que fazia a avó. Horas depois, essa mesma mulher pede à empregada doméstica que suba a escada para limpar uma mancha do lado de fora da janela do apartamento, sem nenhuma proteção. Mas ao se apavorar com o choro da bebê, Laura solta a escada e a empregada doméstica cai da sacada, mudando o destino das duas. 

No final, fica a dúvida para parte do público se Mayara morreu, mas talvez caiba a cada um essa interpretação. Para mim, Laura ficou surtando o tempo inteiro sozinha dentro de casa após a tragédia, refletindo o que a empregada diria à ela se tivesse chance de voltar viva. Ela reconhece os privilégios que manteve da sua família e a queda do lustre pode representar o rompimento desse pacto da branquitude na sua mente.

Amanhã, 8 de março, muitas mulheres brancas, progressistas, de classe média ou alta, tentarão se convencer de que, sofrem as mesmas dificuldades que as mulheres negras. Mas as mulheres negras ainda são maioria nos trabalhos domésticos, com baixa escolaridade e salários menores. E destas, a maioria também já tem mais de 40 anos e não possuem carteira registrada.

Além das diferentes humilhações diárias, como ocorreu com uma diarista na semana passada, impedida de esquentar a marmita em uma casa no Rio de Janeiro, que teve sua história viralizada na web. Será que essas mulheres brancas também nos enxergam como mulheres? Vale a reflexão de ambos os lados.

Os demais episódios do especial “Falas” serão exibidos ao longo do ano em datas que remetam às causas e lutas sociais abordadas na obra: Dia dos Povos Indígenas, Dia do Orgulho LGBTQIAPN+, Dia Nacional das Pessoas Idosas e Dia da Consciência Negra.

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