Desde o dia 10 de fevereiro, a venda de pomadas modeladoras está proibida no Brasil. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) adotou a medida depois do surgimento de casos recorrentes de irritação ocular e cegueira causadas pelo uso dos produtos.Antes disso, o órgão já havia vetado a comercialização de produtos de mais de 20 fabricantes.
Na última sexta-feira (17), a Anvisa realizou uma reunião técnica com os fabricantes de pomadas capilares para informar o andamento das investigações sobre os casos de reações adversas causadas pelos produtos. Sócias do Ras, salão de luxo especializado em tranças afro, Caroline Pinto e Taynara Alves também foram convidadas para participar do encontro online e ficaram horrorizadas com os comentários de fabricantes sobre trancistas e clientes.
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Em prints feitos no chat da reunião, é possível ver comentários de alguns fabricantes que começaram a relacionar às reações adversas ao modo como pessoas de cabelo crespo e trancistas usavam seus produtos.
“Está totalmente relacionado ao modo de uso das trancistas”, disse uma participante. Outra pessoa disse ainda que “As pessoas que utilizam as pomadas para tranças, deixam muito tempo no cabelo imagina a quantidade de bactéria que fica nos fios, imagina esse produto entrando em contato com os olhos”.
Outro participante sugeriu que o uso fosse proibido para tranças. “Deveriam em um primeiro momento proibir somente o USO E COMERCIALIZAÇÃO para TRANÇAS, pois é dai que vem a grande causa do problema.”.
O show de comentários racistas ainda foi rebatido pelas empresárias e outros participantes que se sentiram incomodados com as acusações. “Os comentários racistas de várias pessoas aqui só prova a necessidade da Anvisa exigir maiores testes de segurança. Olha o descaso dessas pessoas, jogando a responsabilidade para transitas e cabelos crespos”, pontuou.
Para o Mundo Negro, Caroline Pinto contou que “As falas racistas surgiram desde o começo da reunião, durante a apresentação da Anvisa sobre os levantamentos que ela tinha até aquele momento. Os presentes na reunião começaram de imediato a fazer as associações dos problemas a higiene de tranças e cabelos crespos, às tranças, ao conhecimento das trancistas ou a falta deles, e até mesmo sobre a proibição para esse grupo de pessoas”.
A apresentação realizada pela Anvisa mostrou que uma investigação feita no Rio de Janeiro identificou 685 casos confirmados de intoxicação exógena (causada por fatores externos, ou seja, que têm origem fora do organismo) temporalmente relacionados à utilização de cosméticos para modelar/trançar cabelos.
Para a especialista, ficou evidente a tentativa de culpar os clientes e vítimas pelas reações ao produto, “especificamente em cabelos crespos”. “Ficou nítida a tentativa de culpabilização das reações adversas à forma que o produto é utilizado pelas profissionais trancistas, especificamente em cabelos crespos. Em diversos momentos houveram citações de que esse problema só ocorre em tranças e cabelos “afros”, o que não é uma verdade! Assim também, como não ocorre só em mulheres, como os fabricantes de pomada modeladora masculina tentaram alegar”, conta Caroline.
A empresária relatou que a mesmo após os inúmeros comentários racistas a Anvisa não se manifestou, “o próprio diretor estava lá e não fez absolutamente nada, não repreendeu em nenhum momento todos os comentários”, comentou. CarolinePintou contou ainda que o órgão “terceirizou a responsabilidade” sobre a investigação dos componentes que estariam causando problemas. “Nessa reunião, pude observar também que, ao invés da Anvisa trazer solução, já que ela é o órgão regulador, ela terceirizou a responsabilidade dela, pedindo para os próprios fabricantes criarem um grupo de investigação para apurar qual o componente problemático e as soluções para o caso”, revelou.
Sobre o uso das pomadas no salão, Caroline pontuou: “No Ras não estamos fazendo o uso da pomada. Meses atrás, quando fizemos uma denúncia na Anvisa em decorrência da não devolutiva de um fabricante, entendemos que não vale a pena colocar a saúde dos nossos clientes em risco por um fabricante que não nos daria qualquer tipo de suporte ou amparo médico ou jurídico”.