“Kira era uma mulher acima do que eu merecia, ela corria maratonas, falava quatro línguas fluentemente. Descobrimos que ela estava esperando nosso segundo filho que nasceu no Cedars-Sinai Medical Center, um dos melhores hospitais do mundo. Após o parto, no quarto enquanto ela e o bebê dormiam, eu notei que o cateter estava vermelho com o sangue dela. Eu chamei a equipe, disseram que fariam alguns exames. Passarem-se horas, nada. Pedi novamente. Ela começou ficar pálida. Eu supliquei por ajuda mais uma vez, ela gemia e tremia de dor, mas disseram que o caso dela, não era prioridade. Só depois de 10 horas de espera, ela foi para cirurgia. Quando a abriam, encontraram 3 litros de sangue em seu abdômen e ela faleceu imediatamente. Ela merecia algo melhor que isso. O meu filho mais novo, nunca saberá o quanto Kira era maravilhosa”.
Esse relato de um momento de alegria que se tornou em uma cena de terror é de Charles Johson IV, americano, marido de Kira Dixo Johson e pai dos dois filhos que teve com ela. Todos negros.
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Esse depoimento aconteceu durante um evento no Congresso Americano, em novembro deste ano, onde foi discutido a disparidade no número de mortes de mulheres negras, comparado com as brancas, durante a gravidez, parto e pós parto.
Joe Kennedy III, que representa os Estado de Massachusetts na Câmera dos Representantes dos EUA, trouxe dados, durante o mesmo evento, ainda mais estarrecedores. “Em 2018, os EUA tem os números mais altos de morte materna em um país desenvolvido. Ainda mais alarmante são as disparidades de raça nessas estatísticas. Mulheres negras tem 4 vezes mais chances de morrer durante a gravidez ou parto do que uma mulher branca. E mesmo que seja uma mulher negra com poder aquisitivo e alto nível de escolaridade, elas ainda têm mais chances de morrer do que uma mulher branca sem diploma. A probabilidade de mulheres negras morrerem durante o parto, são até 243% maior que as mulheres brancas”, explicou o político durante o evento publicado pelo site Now This.
NO BRASIL, DADOS TRÁGICOS
“São as mulheres negras as que mais sofrem violência obstétrica, pois são as que mais peregrinam na hora do parto, ficam mais tempo em espera para serem atendidas, têm menos tempo de consulta, estão submetidas a procedimentos dolorosos sem analgesia, estão em maior risco de morte materna. Cerca de 60% das mulheres que morrem de morte materna são negras. É importante ressaltar que a morte materna é considerada uma morte previsível e que em 90% dos casos poderia ser evitada se as mulheres tivessem atendimento adequando”, denuncia Emanuelle Goes no artigo Violência Obstétrica e o viés racial.
O artigo mostra, que segundo o dossiê elaborado pela Rede Parto do Princípio para a CPMI da Violência Contra as Mulheres, os atos caracterizadores da violência obstétrica “são todos aqueles praticados contra a mulher no exercício de sua saúde sexual e reprodutiva, podendo ser cometidos por profissionais de saúde, servidores públicos, profissionais técnico-administrativos de instituições públicas e privadas, bem como civis.”
Mulheres negras recebem menos orientação, menos consultas no pré-natal e morrem em números significativamente altos no puerpério, porém essas mortes são registradas como causa desconhecida ou indefinida”, detalha a Profa. Dra Jeane Saskya Campos Tavares, psicóloga docente da UFRB, doutora em Saúde Pública pelo Instituto de Saúde Pública pelo Instituto de Saúde Coletiva da UFBA e também gerencia a página Saúde Mental da População Negra no Instagram.
O estudo A cor da dor: iniquidades raciais na atenção pré-natal e ao parto no Brasil, confirma os apontamentos de Jeane. “Em comparação às brancas, puérperas de cor preta possuíram maior risco de terem um pré-natal inadequado , falta de vinculação à maternidade, ausência de acompanhante, peregrinação para o parto e menos anestesia local para episiotomia . Puérperas de cor parda também tiveram maior risco de terem um pré-natal inadequado e ausência de acompanhante quando comparadas às brancas”, mostra o estudo.
AS NEGRAS SÃO MAIS FORTES PARA PARIR ?
Mulheres negras são fortes, mas não o tempo todo, assim como qualquer outra mulher. Não é preciso ter gerado uma criança para saber da complexidade que envolve um parto. Deixando o romantismo de lado, às vezes nem tudo dá certo, seja para mãe ou para o bebê e quando a gestante negra sofre maus tratos na maternidade, o nível de tensão aumenta ainda mais e o alerta do instinto de sobrevivência, fala mais alto do que as sensações de afetividade e amor que o momento pede.
A atriz, empresária e defensora da ONU Kenia Maria, também traz relatos de terror e humilhação durante o parto dos seus dois filhos Gabriela e Matheus.
“No primeiro parto a enfermeira me abandonou na sala pra tomar café! Meu filho tomo líquido amniótico por conta disso e a cabeça dele ficou no meio das minhas pernas. Quando o médico soube que o Mateus havia sugado o líquido amniótico disse que ele deveria ter tomado pinga”, relata Kenia. No parto da sua filha Gabriela, a obstetra pediu para Kenia parar de chorar. ” A médica gritava no meu ouvido que as negras são fortes pra parir”.
DENUNCIANDO A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
Denunciar a falta de respeito, negligência ou omissão dos profissionais envolvidos na hora do parto é fundamental para que esse problema não aconteça com outras mulheres e para se faça justiça às vítimas.
A denúncia pode ser através dos serviços de atendimento á mulher pelo número 180 , central de atendimento á mulher , pelo Disque Saúde (Ouvidoria geral do SUS ) pelo número 136 , ou procurar a Defensoria pública do seu estado ou o Ministério Público Federal .
O blog Casa da Doula da mais detalhes:
A defensoria pública atende gratuitamente cidadãos com renda segundo os critérios por eles estabelecidos , não pode ter uma renda superior a 3 salários mínimos , aonde tem que ser demonstrados por meio de comprovantes de pagamento , carteira de trabalho .
Ministério Público Federal
Em 2014 o Ministério Público Federal instalou um inquérito para investigações de violência obstétrica e recolhe denúncias através da sala de atendimento ao cidadão .
O que levar para abrir o processo ?
Cartão de Gestante
Protocolos da(s) denúncias se houver ,
Cópia do Prontuário de atendimento do hospital ou unidade de saúde onde você foi atendida.