Começou na China. Se espalhou pela Europa causando grandes danos a Itália, que superou a quantidade de casos registrados no ponto de origem da doença, a cidade de Wuhan. Atingiu os Estados Unidos e chegou a América Latina, até o Brasil.
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Já foram mais de 123 países e territórios atingidos pela pandemia do novo Coronavírus e milhares de óbitos ao redor do mundo. A Organização Mundial da Saúde classificou a propagação do Coronavírus como uma pandemia. Não somente por conta da sua gravidade, mas devido a sua velocidade e facilidade de propagação.
Atualmente são mais de 428 casos em todo o país, mais de 11.000 casos suspeitos e 04 óbitos. Além das questões geográficas e epidemiológicas que envolvem a doença, existem um panorama por trás, mundial e nacional, que possui estreita relação com o comportamento da pandemia.
Mercado financeiro instável, precarização do trabalho, sistema público de saúde defasado, moradia, saneamento, qualidade de vida etc. todas essas questões estão vindo à tona à medida que o vírus se propaga no nosso país.
Mas o que uma doença, de origem internacional tem a ver com as questões sociais brasileiras?
A propagação do vírus ocorre por meio do espirro, tosse, catarro, saliva, contato próximos ou objetos/superfícies contaminadas. Sendo assim, o microrganismo consegue fazer uma viagem internacional sem problema algum. A doença pode passar de indivíduo para indivíduo até mesmo quando o portador não apresenta a sintomatologia.
Vamos ao exemplo: o primeiro caso no estado da Bahia foi de uma mulher, que retornou recentemente de uma viagem à Itália (epicentro da doença). Logo após a sua chegada, os primeiros sintomas surgiram e ela foi atendida em um hospital particular de Salvador e fez os devidos exames. Após confirmação do diagnóstico, ela foi orientada a permanecer em isolamento.
O segundo caso foi uma mulher, trabalhadora doméstica, que teve o contato com a primeira paciente (sua patroa), enquanto ela estava sintomática. E assim chegamos a íntima relação que o Coronavírus possui com a conformação da sociedade. Quantos outros patrões brasileiros retornaram recentemente de viagem internacional, e quantos outros empregados, sejam domésticas, porteiros, motorista etc. tiveram contato com pessoas sintomáticas ou não e passaram a disseminar o vírus?
No Rio de Janeiro, uma empregada doméstica morreu com suspeita do Coronavírus após contato direto com a sua patroa que retornou da Itália e testou positivo para o Covid-19.
Quem irá para o atendimento hospitalar particular? Quem irá para o público? Quem poderá se dar ao luxo de entrar em quarentena? Quem não pode? São essas e outras questões que me fizeram refletir sobre como o comportamento desse microrganismo pode escancarar o quadro de racismo e desigualdade brasileiro, ou o que podemos chamar de racismo pandêmico.
Em um país onde 11,9 milhões de pessoas trabalham na informalidade, 54% da população é afrodescendente e 80% destes utilizam o Sistema Único de Saúde (SUS), as medidas preventivas contra a pandemia do Coronavírus é acessível? Quantos podem desembolsar para comprar álcool gel, quando precisam pagar as contas e colocar comida na mesa de casa? Quantos podem se resguardar de quarentena ou trabalhar home office? Quantos patrões estão liberando os seus empregados?
Para qual tipo de brasileiro as medidas emergenciais de proteção são direcionadas?
A população negra está classificada como a mais vulnerável, tanto por questões de saúde (hipertensão, diabetes e outras doenças crônicas), quanto em questões relacionadas a determinantes sociais da saúde (moradia, trabalho, qualidade de vida etc.).
Essas questões são levadas em conta no momento de construir os planos emergenciais de saúde? O acesso aos serviços de saúde precisa ser garantido para todos, visto que o SUS foi construído para que qualquer cidadão brasileiro utilize independente da classe social. Mas sabemos qual é a população que faz uso dele, não é?
O que nós, enquanto sociedade, estamos fazendo para evitar que o racismo pandêmico elimine uma população específica?
Arthur Igor C. Lima é Dentista, Especialista em Saúde da Família (Fundação Estatal Saúde da Família/FioCruz), discente do programa de pós-graduação em Saúde, Ambiente e Trabalho (Universidade Federal da Bahia) e CEO da HealthTech AfroSaúde.