Texto: Luciano Ramos
A eleição de um novo Papa, através do conclave, sempre mobiliza olhares atentos do mundo inteiro. Mas para os povos negros – especialmente nas Américas, onde a experiência da fé foi profundamente atravessada pelo colonialismo – esse momento carrega uma pergunta que permanece sem resposta: a Igreja Católica está disposta a se reaproximar, de forma real, da população negra?
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Historicamente, a Igreja teve um papel ambíguo na escravização dos povos africanos. Por um lado, legitimou regimes escravistas; por outro, em casos pontuais abrigou quilombolas e deu espaço para resistências espirituais, por meio de algumas poucas lideranças religiosas. Essa contradição moldou uma relação de fé marcada por tensões, afeto e também exclusão. Em muitos territórios, o catolicismo foi ressignificado à força, fundido com cosmologias africanas para garantir sobrevivência e dignidade diante da opressão. No entanto, nenhum Papa negro foi eleito desde São Gelásio I, no século V, e apenas uma pequena fração dos mais de 200 cardeais atuais tem origem africana ou afrodescendente.
No Brasil, país com a maior população negra fora da África, essa dívida histórica permanece latente. Segundo o Datafolha (2020), apenas 36% dos negros brasileiros se declaram católicos, enquanto esse percentual é de 51% entre brancos. O distanciamento crescente da juventude negra em relação ao catolicismo revela não apenas uma migração de fé, mas uma busca por espaços de espiritualidade onde sejam reconhecidos e respeitados. A Pastoral Afro-Brasileira luta há décadas por representatividade e contra o racismo dentro da Igreja, mas segue invisibilizada na estrutura oficial, e cada vez com menos força. Apesar disso, nenhum santo ou santa negra brasileiro(a) foi canonizado até hoje.
O Papa Francisco fez gestos importantes. Em 2021, afirmou que “o racismo é um pecado que ainda persiste no mundo” e, em visita à África, declarou que “a escravidão foi um crime contra a humanidade”. Ainda assim, a Igreja jamais fez um pedido oficial de perdão coletivo pela escravidão colonial, o que evidencia uma lacuna profunda entre discurso e reparação histórica. A eleição de líderes negros para cargos centrais continua sendo exceção — como no caso do cardeal ganês Peter Turkson — e não uma regra representativa.
A cada novo conclave, a fumaça branca anuncia mais que um novo Papa. Ela revela também as escolhas de uma estrutura que, apesar de milenar, precisa responder às urgências do presente. Em tempos de recrudescimento do racismo, das desigualdades e da violência religiosa contra povos de terreiro, a neutralidade institucional já é uma forma de cumplicidade.
Reaproximar-se da população negra não é apenas reconhecer a sua fé — é enfrentar o racismo que ainda habita as igrejas, os púlpitos e os discursos. É escutar o grito de mães pretas, de juventudes periféricas, de lideranças quilombolas. É admitir que não existe fé sem justiça. Nem salvação sem reparação.
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