Mundo Negro

Com participação de Luís Gama “as maçonarias negras eram redes de apoio”, diz maçom negro

Fotos: JRM Fotografia/ Reprodução

Muitos mistérios rondam sobre a existência da maçonaria por se tratar de uma sociedade discreta e com ações reservadas apenas àqueles que são membros. Entretanto, de tudo o que já foi dito sobre a organização, pouco é falado sobre a existência da maçonaria negra. O advogado e maçom Bruno Candido, morador do Rio de Janeiro, realizou a dissertação do mestrado sobre a importância da maçonaria negra para romper com o racismo.

Em entrevista ao MUNDO NEGRO, Bruno Candido falou sobre como iniciou sua jornada na maçonaria, os princípios da organização, a criação da Maçonaria Prince Hall, nos Estados Unidos, e a inserção do abolicionista Luís Gama na maçonaria negra e tradicional para combater a escravidão. “Ele nasce livre, mas corre o risco de escravização e começa a utilizar a maçonaria tradicional a partir dos seus contatos com homens brancos para que ele pudesse franquear, por exemplo, a ascensão intelectual como seu amigo delegado que lhe permitia acesso a biblioteca de livros de direito”, explica.

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Leia a entrevista abaxo:

Símbolo maçônico (Foto: kelly2/Creative Commons)

Como e quando se deu o seu ingresso na maçonaria?

O meu aluno de um projeto social que eu tinha – para emancipação intelectual e financeira para advogados e estudantes de direito e juventude, foi também o meu professor no ensino médio. E ele também se tornou advogado. Quando eu fui aprovado no mestrado em Sociologia e Direito, ele falou que estava me reparando de longe e que chegou o momento dele me convidar a participar da maçonaria e que lá eu estaria conectado a pessoas que no meu cotidiano eu não estaria conectado e elas me ajudariam no meu propósito de fazer transformação social, com base naquilo que ele tinha visto no projeto onde ele era meu aluno.

Ele me insere na lógica da maçonaria negra. E eu começo a pesquisar sobre o assunto, entender quem foi Prince Hall, saber o que aconteceu nos Estados Unidos e na França com os maçons negros, e como a maçonaria foi importante pro Brasil. Como essas sociedades, na verdade, eram redes de apoio e cuidado para emancipação de população historicamente dominada.

Advogado Bruno Candido (Foto: Reprodução/Instagram)

Como surge a maçonaria negra?

A maçonaria nasce de pessoas que são operárias e se posicionam contra a elite. Então ela já nasce como uma ferramenta de contrapoder. Tanto que na história mundial da maçonaria, ela está sempre se posicionando contrária a governos ditadores, autoritários e sempre se posicionando na formação de quadros para ruptura dessas formas de dominação social e controle populacional. A maçonaria foi fundamental para vários processos, por exemplo, na independência nos Estados Unidos e no Brasil. Apesar de ter nascido com a classe operária, ela passa por um processo de elitização quando se tem a inserção de intelectuais e de outros quadros dentro do poder para que essas pessoas possam construir um poder contra o hegemônico. Exatamente por ser a classificação de poder contra hegemônica que a maçonaria não poderia ser aliada à escravização. Mas a maçonaria também não é um espaço de consenso geral. Também é um espaço de disputa de narrativa, vão ter núcleos de poder e de contrapoder.

A maçonaria negra nos Estados Unidos, nasce a partir de um homem negro já livre, que alcançou a alforria. Ele não consegue entrar na ordem porque as votações para ingresso eram secretas. Então não se sabia qual pessoa branca proibia que ele, como um homem negro, acessasse a maçonaria norte-americana. Então ele cria a própria maçonaria, a Maçonaria Prince Hall, que vem como uma oposição nos Estados Unidos e a articulação e conexão de homens negros poderosos. E homens negros articuladores também anônimos, que começam a estabeler a sua própria confraria, até chegar no ponto da construção de um poder que a maçonaria tradicional precisa aceitar. E quando ela aceita, esses homens negros que criam o seu próprio poder maçônico, passam a ser também irmãos de confraria da maçonaria tradicional. E a partir do momento que todos se tornam irmãos, tem uma coisa chamada ‘associação’, que é a capacidade de estabelecer protocolos de relacionamento e obviamente regras de éticas que precisam ser respeitadas na maçonaria. Logo, o racismo não pode ser um processo de separação entre aqueles que são verdadeiros irmãos.

Fundador da Maçonaria Prince Hall (Arte: Reprodução)

Qual a importância da maçonaria na sociedade? E o diferencial da importância para a maçonaria negra?

A maçonaria tem como princípio tornar o homem uma pessoa melhor, a partir de uma ilustração de que o homem é pedra bruta, cheia de pontas. E a partir do estudo das principais diretrizes mundiais, das principais culturas também mundiais, esse homem começa a se polir e quando ele se torna pedra lisa, ele devolve pra humanidade aquilo que ele tem de melhor para que torne a humanidade melhor também. Essa é a importância filosófica da maçonaria para a humanidade.

E a maçonaria negra, ela vem obviamente, fazendo a compensação pela nivelação da realidade mais precária mundial do posicionamento da população negra. No Brasil, a gente tem, por exemplo, quadros como Luiz Gama, que pratica a maçonaria tradicional e negra, se importando com o processo de segurança pública, que no seu período era o processo de reescravização. Já se tem o período abolicionista no Brasil, várias pessoas negras antes escravizadas já estão com o status de liberdade, porém o poder instituído daquele momento vê a necessidade de controle social, a partir de uma criminalização de reescravizar as pessoas negras. Então o Luiz Gama, filho de um português, que nasce livre, mas corre o risco de escravização, entende isso e começa a utilizar a maçonaria tradicional a partir dos seus contatos com homens brancos para que ele pudesse franquear por exemplo, a ascensão intelectual, como seu amigo delegado, que lhe permitia acesso a biblioteca de livros de direito e ao mesmo tempo, ele garantia segurança contra os seus opositores da branquidade, que obviamente não concordavam com o homem negro que estava fazendo toda a ruptura de lógica de escravização naquele período. Ele também é conectado a outros homens negros que estão promovendo ascensão social dentro da maçonaria e trabalhando um projeto de poder para emancipação de pessoas negras. Por isso que o Luiz Gama na Loja Maçônica América de São Paulo, atua nos processos jurídicos pra alforria, faz o letramento político dessas pessoas e depois devolve essas pessoas para sociedade novamente pra compor um núcleo de poder negro e poder antirracista branco aliado, para servir como contrapoder àquela opressão que se manifesta por meio da violência e em especial no campo da segurança pública e da escravização.

Foto: Reprodução

Como um homem negro pode se tornar membro deste espaço?

Hoje nós temos três exemplos mundiais como na França, nos Estados Unidos, como a Prince Hall, dentro dessa história que eu contei, e também no Brasil que não começa por Luís Gama, mas ele é o máximo expoente dessa representatividade. Nesses três países, a luta se dá em especial contra a aliança da colonização e do racismo, que promove um processo de alienação. Então a maçonaria te permite acesso a um conteúdo muito específico e especial, uma ascensão intelectual e uma atenção social, a partir da sua conexão com homens brancos em espaços de poder, que são seu irmãos e precisam te franquear todos os acessos pela sua relação de irmandade. Ainda que quem não queira fazer isso, terá que te ajudar em caso de justa necessidade. E tem também a relação da possibilidade de se conectar a grandes quadros negros que estão promovendo antes a emancipação isolada e conseguir reunir dentro rede de apoio. No Brasil, isso é importante porque as redes de irmandade como a Rosa Negra, por exemplo, foram e ainda são muito importantes pros processos emancipatórios de nosso povo. Hoje, nós temos outras formas de aquilombamento, mas também ainda mantemos viva a Maçonaria Negra e eu sou uma das pessoas que no Rio de Janeiro é responsável por esse recrutamento de homens negros, que possam participar desse processo.

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