Há quase 13 anos morando no sul do Brasil, Guilherme Lara, chef proprietário do restaurante Lara Cucina, está inaugurando o novo espaço físico em Blumenau, Santa Catarina. O projeto começou com delivery e após dois anos, abre espaço para receber os clientes a se deliciar com a comida italiana, especialidade da casa.
“É muito difícil fazer comida italiana sendo um homem preto no sul do país. O processo é lento e sinto que hoje as pessoas começaram me acolher, respeitar e entender o meu amor por aquilo que eu faço”, diz o paulista Guilherme sobre sua experiência.
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Com o restaurante, ele já tem mais sonhos a serem realizados. “O objetivo é aumentar o número de restaurantes pelo estado, receber todas as pessoas, mas principalmente pessoas pretas, para elas poderem sentar em um restaurante sofisticado, tomar seu vinho sem nenhum medo ou desconforto. Quero poder inspirar outras pessoas que vivem aqui no sul”, compartilha.
Leia a entrevista completa abaixo:
1) Conte-me um pouco sobre você e como a gastronomia entrou na sua vida.
A gastronomia entrou na minha vida muito cedo. Eu acho que eu sempre quis fazer gastronomia, eu sempre gostei de cozinhar. Eu sempre fazia bolos, comida com a minha mãe em casa quando eu era pequeno.
Mas eu também vi a minha avó por parte de pai, que inclusive era a única referência de pessoa preta que eu tive na minha família. Ela era uma pessoa muito humilde. Ela fazia muita comida simples, de roça, sabe? Que era bolo de fubá, bolo de milho. Eu lembro que ela moía a farinha de mandioca no pilão, aqueles pilão de madeira alto. E aquilo, pra mim, é uma imagem muito forte. Então, eu tive, claro, a minha avó de referência, tive um pouco da referência da minha mãe. E eu sempre quis fazer isso.
A minha mãe, quando eu me formei no ensino médio, sugeriu que eu viesse pro Sul. Ela dizia que aqui era uma região mais tranquila de se viver, né? Ela não queria que eu ficasse em São Paulo, pela questão da violência e tudo mais. Ela queria que eu tivesse uma vida um pouco mais confortável. Então, eu vim pra cá, acho que com 17 anos, muito cedo, eu me formei no ensino médio muito cedo. Comecei na faculdade e tive a oportunidade de trabalhar num baita de um restaurante como cozinheiro.
E dali foi só crescendo. Cheguei ao cargo de chefia, onde fiquei por seis anos e meio neste cargo, nesse grande restaurante, muito renomado. E depois trabalhei nos outros melhores restaurantes da cidade, onde tive a oportunidade também de ser chef.
2) O que você faz atualmente e qual sua especialidade?
Hoje, depois de 13 anos, eu tô aqui ainda e tô abrindo meu restaurante. Que vai ser uma pegada um pouco mais intimista, mais romântica, um restaurante italiano. Eu fiz uma especialização em comida italiana, comida mediterrânea, e hoje eu tô abrindo um restaurante nesse segmento. Claramente vai ter um pouco da cultura brasileira também nesse cardápio, vai ter alguns pratos caiçaras. Mas o meu forte mesmo hoje é a gastronomia italiana.
3) Como é a vida de um chef negro no Sul? Pode citar alguma experiência marcante?
A minha vida é muito difícil aqui, porque enquanto uma pessoa precisa fazer uma coisa pra mostrar que é boa, eu preciso fazer dez, entende? As pessoas, infelizmente, ainda hoje têm receio e ficam muito espantados quando elas chamam o chef de cozinha na mesa pra fazer um elogio e eu chego, consigo notar isso nas pessoas. O racismo é muito vivo, né? Eu moro numa cidade muito alemã, que é a cidade de Blumenau. Então, é uma cidade muito colonial. Depois de tanto tempo, eu acho que hoje as pessoas já me conhecem. O meu nome já tem um peso na cidade, mas isso foi fruto de muito trabalho. Eu já passei por diversas situações. No meu último emprego, um cliente me chamou na mesa e disse pra mim que ele ia falar como eu deveria fazer a carne que ele trouxe porque o pessoal lá de cima talvez não conhecesse essa carne. Então, aí tu já entende também que é uma coisa muito triste, né. Uma situação muito complicada, muito racista. Eu já passei por muitas situações muito cruéis. Mas meu propósito foi um só, que era de vir pra cá estudar e ter o meu restaurante. E eu consegui tudo isso. Hoje, eu posso dizer que eu já sou um vitorioso. Porque pra mim, foi muito difícil essa caminhada até aqui. Eu tive outras grandes oportunidades. Eu já cozinhei pra diversas pessoas. Eu já cozinhei pra Ana Hickmann, Ticiane Pinheiro, eu já cozinhei pra alguns artistas. Hoje também trabalho como personal chef. Tenho meu restaurante, eu fiz uma especialização no mês retrasado de bolos festivos, que era uma coisa que eu sempre quis fazer. Vou implantar isso lá no meu restaurante. Quando as pessoas me procurarem para fazer aniversário, a gente já vai sugerir também o meu bolo. Eu tô muito feliz!
4) O que você diria para pessoas negras da sua região que querem iniciar na gastronomia ?
Se respeitarem mais! Eu acho que quando você se respeita, você entende o seu limite, eu acho que você pode alcançar tudo aquilo que você deseja. Em muitos momentos eu não me respeitei. Então, hoje eu me respeito, hoje eu enxergo e eu tenho a maturidade para entender o que eu preciso e o que eu não preciso. O que é tolerável e o que não é.