Geração sanduíche e a exaustão dos profissionais negros 40+

Texto: Viviane Elias Moreira

Precisamos honrar a nossa ancestralidade e pavimentar o futuro. Ouvir isso é como se fosse o efeito Drop the Mic [Largue o microfone, em tradução livre] do Obama e explico porque: nós, a primeira geração de executivos negros em posições estratégicas nas empresas (+ de 1% segundo as estatísticas em pesquisas de mercado), começamos a vivenciar um ponto inédito em nossa jornada coletiva: a vivência do tripé de cuidados familiares. O tripé de cuidados familiares é o nos tornar responsáveis pelos cuidados financeiro, social e de saúde da nossa base (pais) e do nosso futuro (filhos), e em muitos casos, a nossa base não é restrita a nossos familiares de 1º grau, pois envolve muitas vezes avós, tios, primos, primas, entre outros e o nosso futuro envolve sobrinhos e afilhados. Em resumo, somos parte da “geração sanduíche”.

A expressão “geração sanduíche” foi criada pelas assistentes sociais Dorothy Miller e Elaine Brody e descreve pessoas adultas que estão divididas entre os cuidados e responsabilidades com os próprios filhos e seus pais que, a partir de uma certa idade, também passavam a demandar alguns cuidados. No estudo “Geração Sanduíche no Brasil: realidade ou mito?”, as pesquisadoras detalham que esse fenômeno social acomete principalmente mulheres, sobretudo, as mulheres negras, entre os seus 40 e 49 anos que são encurraladas pela especificidades de duas gerações. Pare agora e reflita: se você não é uma destas pessoas, com certeza, conhece no mínimo 2 ou 3 nesta situação. Eu sou uma delas. 

Como diz minha querida amiga Andréa Cruz, da Serh1 consultoria, precisamos fazer a paz com a realidade. E esta realidade é que, de forma coletiva, não fomos preparados nem em segurança psicológica e financeira e muito menos orientados a desenvolver as possíveis estratégias para minimizar estes impactos em nossa rotina. A falta de acesso para muitos dos nossos avós, pais e irmãos mais velhos não nos permitiu viabilizar esta ação e, pego a minha geração pecando em não passar este conhecimento para as gerações futuras. Um exemplo: você incentiva os jovens da sua família a realização de exames médicos preventivos, como um check-up anual? Se a última vez que eles foram ao médico foi em uma consulta ao pediatra ou ao pronto-socorro, precisamos iniciar esta conversa.

Se me perguntarem como é ser uma executiva, c-level, head ou qualquer outra definição importada que concedam para nossos cargos, eu direi, sem dúvidas, que é exaustivo. Em meio a tantas demandas: carreira, vida social, o mercado, o racismo estrutural nosso de cada dia, as contas que não esperam, uma rotina conturbada e uma vida que pede arrego silenciosamente, muitos de nós estamos vivendo o que a sabia Conceição Evaristo diz: parecemos inteiros por fora, quando estamos partidos por dentro. 

De forma geral, o mundo corporativo não está preparado para apoiar seus executivos, sobretudo negros e suas interssecionalidades relacionadas a raça, gênero e classe neste ponto. Benefícios que poderiam minimizar estes impactos como  seguro funerário com extensão a pais e avós ou a possibilidade de adicioná-los  ao seu plano de saúde, mesmo que o custo seja só seu, possivelmente não fazem parte das cartas ofertas de muitos dos executivos negros do 1% no Brasil. 

“Afinal, quem cuida, de quem cuida?” No meio do fogo cruzado, essa pergunta que tem urgência de ser questionadora e ativa, mas que muitas vezes, se não a maioria, torna-se silenciosa, é sufocada por uma lista de tarefas intermináveis. Aqui fica o meu convite para esta  reflexão, porque quando você está na fase de geração sanduíche, líderes excludentes e envolvidos em processos moldados na falácia da meritocracia corporativa e racismo estrutural irão utilizar contra nós de forma muita estratégica e dolorosa os impactos que é cuidar de quem cuida. 

O objetivo desta coluna não é trazer soluções efetivas para cada jornada individualizada de famílias negras em nosso país que têm nesta onda de executivos negros a esperança de dias melhores para os seus descendentes. O que eu fiz para mitigar os impactos da minha vivência na geração sanduíche foi buscar uma rede de apoio dentro e fora do círculo familiar (ter muitos irmãos, primos, tios e tias nem sempre é garantia que a sua rede de apoio deve ser centralizada no núcleo familiar), encarar que a contratação de seguros de vida e funerário não são “coisas da elite” e sim uma demanda necessária, investir em possibilitar acesso a saúde preventiva e familiar (nem sempre particulares e aqui fica o meu Viva o SUS), buscar alternativas populares para realização de exames médicos de baixa complexidade quando necessário, proporcionar nem que for o mínimo de segurança e suporte psicológico de quem estamos cuidando, entender que financeiramente o não também é necessário, ter e viver meu tempo pessoal (o que preciso, o que quero e o que me motiva/satisfaz) e por fim, saber que alguns pratinhos irão cair. E tá tudo bem. Faz parte do acordo com a realidade. 

*Dedico esta coluna a todos os meus companheiros de jornada que estão vivendo este dilema. Vocês não estão sozinhos e não ficaram.

 

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