Por Rodolfo Gomes em parceria com Victória Gianlorenço
Nascido em São Paulo, no bairro da Santa Cecília, Flavio tem 6 irmãos e cresceu junto com 3 deles. Filho de Dona Leris, uma mulher muito religiosa e que sempre se envolveu em questões sociais na comunidade aprendeu desde cedo a trilhar um caminho de muita luta e empatia pelo próximo. ““Minha mãe é uma guerreira ela abriu mão de sua carreira para criar eu e meus irmãos, sem dúvidas dentro de casa eu sempre encontrei inspiração para continuar lutando”, contou.
Flávio começou a carreira aos 16 anos, como aprendiz de um banco estatal. Depois teve a oportunidade de trabalhar como assistente administrativo num banco privado. “Eu queria me tornar gerente, ser aqueles pretos enjoados que usam terno, sabe?”, brincou.
Mas seu caminho seguiu outros rumos, com 18 anos, após se formar no colegial, Flávio viveu aquele momento de indecisão e ficou algum tempo buscando referências para escolher um caminho. Foi então que resolveu fazer Administração com ênfase em comercio exterior. “Foi uma escolha difícil, afinal, naquela época a gente não encontrava reportagens de pretos, como eu, que pudessem me inspirar”, disse ele.
Conviveu com o racismo desde cedo, e cansou de ouvir a expressão “tinha que ser preto”, principalmente em situações com estranhos, em locais públicos.
Como muitos negros, viveu a violência dentro de casa. Em 2010 seu irmão Eduardo dos Santos, motoboy que morava no bairro da Casa Verde, foi assassinado pela polícia. O caso ganhou proporção nacional, uma vez que seu irmão estava apenas buscando apartar uma briga.
No mesmo ano, Flavio se formou em administração com ênfase em Comércio Exterior. Sem referências pretas em sua área de formação, precisou encontrar o seu lugar, através da sua própria vontade de mudar sua realidade e construir um futuro melhor. “Eu sempre tive na minha mente que eu precisava me atualizar o tempo todo, e meu pai por viver em uma época diferente da minha fazia questão de me lembrar o tempo todo que por eu ser preto não bastava ser bom, precisava ser duas vezes melhor”, lembrou.
Como muitos dizem, filho de peixe, peixinho é. Flávio seguiu os passos do pai, que é professor acadêmico. “Eu nunca fui estudioso, mas sempre me esforcei. Virei professor por causa da minha dificuldade com matemática. Essa dificuldade me fez querer ensinar os meus alunos de uma forma mais dinâmica”, contou. Suas turmas de monitoria, ainda na faculdade, começaram com 2 alunos e chegaram rapidamente a 30 alunos, através do boca a boca.
Mais tarde, já formado, dava aulas na ETEC e FATEC Sebrae, na região central de São Paulo, onde durante 7 anos lecionou disciplinas com foco em logística internacional e transportes.
Nessa época, em razão da faculdade estar localizada próximo a Cracolândia (região de São Paulo com grande incidência de viciados em drogas), ele deixou de ir de carro ao trabalho para acompanhar os alunos até o ponto de ônibus ou estação do metrô, em razão da violência do local onde lecionava.
Filho de uma mãe muito presente e um pai professor, Flávio encontrou nos estudos a possibilidade de vencer na vida, e desde sempre se dedicou. “Lembro como se fosse hoje quando participei de um processo seletivo que tinha uma entrevista em inglês e eu fui muito mal, esse acontecido foi um combustível para eu estudar ainda mais a língua até me apaixonar pelo idioma e fazer um MBA na FIA, contou.
Este curso de MBA proporcionou que ele conhecesse um novo universo. Um dia, numa conversa de bar com seus amigos de curso, entendeu que precisava de uma experiência internacional, e decidiu fazer um intercâmbio na Austrália, para estudar. “Eu lembro que esse dia eu escutei cada um contando dos lugares que estiveram, um era Nova York, o outro Europa, e eu mal tinha saído para conhecer Santos”, riu.
Foi então, que resolveu pedir afastamento da função de professor, e demissão no emprego de analista de exportação na empresa em que trabalhava e mudou-se para Sidney, na Austrália, onde morou de 2013 a 2014. Lá, trabalhou como pedreiro, garçom, entre outras funções operacionais, que lhe ajudaram a se manter durante o período.
Antes de retornar para o Brasil, achava que ao chegar aqui poderia ter mais espaço no mercado de trabalho, mas a realidade foi outra: ele não sentiu que o mercado reconhecia seu histórico, esforço e experiência internacional. Apesar de um ótimo currículo, se sentiu desanimado com a receptividade do mercado. Aplicou para diversos processos de trainees, chegando inclusive a etapas finais do processo numa varejista e numa farmacêutica, mas se viu preterido em razão da sua cor, já que havia ido bem em todas as etapas.
“Eu me apeguei ao inglês para me diferenciar e estar um passo à frente, e me destacar e não sofrer tanto com a barreira da língua. Terei a oportunidade de viver no exterior, acreditando que o racismo no exterior talvez fosse diferente.”
Em 2014, já de volta ao Brasil, e tendo retomado as aulas que ministrava, passou num concurso interno do Centro Paula Souza, e teve a oportunidade de fazer um curso de “teacher trainning”, em Londres. Essa experiência mostrou que talvez no exterior tivesse as maiores oportunidades, e Flávio começou a planejar os próximos passos de sua carreira.
“O exterior não é a Disney. Apesar de ser bom viver no exterior, é necessário querer e fazer dar certo. Ralar muito e conquistar seu lugar ao sol.”
Analisando possiblidades, visitando feiras de intercâmbio, entendeu que a melhor opção estava no Canadá, mas dessa vez, foi com o objetivo de migrar e ficar. Dotado de coragem e ousadia, em 2017 se mudou com sua noiva em definitivo para o Canadá. Apesar de ter migrado inicialmente para uma cidade onde o frio chegava a 40 graus negativos, persistiu, e hoje vive em Vancouver, onde atua na área de logística de uma multinacional.
“Sempre que eu falo que sou brasileiro é uma surpresa. Aqui fora, brasileiro é, em sua maioria, branco. Existe um choque por saberem que no Brasil as oportunidades para o povo preto são mais restritas. Eu acabo sendo uma exceção.”
No Canadá cursou College em Marketing, um curso integral, que conciliava com uma carga de 20 horas semanais de trabalho.
“Houve um período, em que estava de férias da faculdade, e trabalhava em 3 empregos: full time durante o dia em uma empresa, a noite em outra, e aos finais de semana em outra empresa, pra garantir uma renda extra, pra juntar reservas”
Na Red River, Flavio teve a oportunidade de ganhar 6 bolsas que foram de vital importância para sua permanência no Canadá.
Em época de exame final, num domingo, às 22h (as 02h da manhã o Brasil), recebeu uma ligação de seu irmão, contando que seu sobrinho Yuri Cesar havia falecido. Sem chão, com prova agendada para a manhã seguinte, não teve condições de fazer a prova, e recebeu total suporte da universidade para vir ao Brasil a tempo do velório do seu sobrinho.
Decidiu que queria fazer algo que honrasse o nome de seu sobrinho. Em conversa com a faculdade, conseguiu viabilizar uma bolsa, que ajuda estudantes internacionais, memória de seu sobrinho.
“Eu queria ter tido esse envolvimento com a comunidade no Brasil. Eu poderia ter feito mais”
Enfrentando o racismo velado a todo momento, buscou formas de se diferenciar, e razões para conseguir sua ascensão profissional. Uma vez que o mercado é mais exigente com o provo preto.
Hoje, inspira muito dos amigos mais próximos com a sua jornada, e auxilia a todos que lhe pedem ajuda, em todo o processo burocrático de imigração. “99% de tudo que tenho hoje é graças ao meus pais, que sempre lutaram e acreditam em mim, se eu puder retribuir tudo que eles fizeram inspirando outras pessoas vou estar feliz”, concluiu.