Crise no metrô, greve da Sabesp e racismo ambiental: O que essa equação tem a nos ensinar sobre ESG?

Texto: Rosana Fernandes

A manhã de terça (03/10) começou tumultuada na grande metrópole paulista e apesar de estar falando neste momento, do Rio de Janeiro, esta situação também me afeta e certamente pode afetar você, independente do local de onde está lendo este texto ou de onde mora no momento. Digo isso porque analisando em profundidade algumas das questões e impactos envolvidos nos contextos dessas greves e reflexos sobre a população, pode haver reflexos na vida de muitos brasileiros.

Mesmo não morando em São Paulo, ainda na noite de véspera, já comecei a ser bombardeada com conversas, debates, medos e incertezas, de amigas e pessoas conhecidas que moram nesta capital. Todas se questionando sobre estratégias e como fariam para manter, cancelar ou ajustar compromissos, caso o cenário de greve se confirmasse. Prontamente já comecei a me compadecer, entendendo que tal contexto problemático não se restringe apenas a localidade delas, no dia ou semana seguinte, poderia ocorrer na cidade onde moro ou qualquer outra do país e até do mundo.

Diante disso, com o amanhecer do dia, a confirmação de paralisação e todos os atravessamentos que foram impostos a milhões de pessoas, quero apontar também, além da visão empática, como este problema também se relaciona com outras realidades locais, gestão de negócios e a assertividade da gestão ESG dentro das empresas.

O Brasil enfrenta desafios significativos relacionados ao meio ambiente e à igualdade racial, sendo assim, as recentes greves na Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) e no transporte público servem para destacar questões de racismo ambiental em São Paulo, mas facilmente replicadas em outros estados, pois são justamente as populações periféricas, com destaque para os mais de 16 milhões de pessoas, residentes em 6,6 milhões de domicílios os mais lesados neste processo.

Ao redor do país, de acordo com o IBGE, existem mais de 11 mil favelas espalhadas e quando há falta de abastecimento, crise nos transportes e outros problemas como os enfrentados nesta terça (03/10), invariavelmente quem é penalizado com perda de qualidade de vida; aumento de custos com deslocamento; ampliação do tempo para se locomover até o trabalho e em alguns casos, penalizações com descontos na folha de pagamento? Não é difícil chegar a conclusão, não é mesmo?

Sim, a partir dessa provocação, lendo tal contextualização algumas pessoas devem estar se perguntando, ok, compreendo tudo isso, mas o que eu,  minha empresa e as políticas ESG temos a ver diretamente com este contexto? Bem, é simples, vou explicar de forma nítida, como tais problemas se relacionam. 

Primeiro, quando falamos da importância da responsabilidade ESG (Ambiental, Social e de Governança) das empresas brasileiras, mais do que estampar notícias de jornal, capas de revista ou promover eventos públicos para letramento da sociedade, as empresas precisam se envolver diretamente com metas e compromissos dentro de todos estes pilares.

Como o racismo ambiental se manifesta quando comunidades racialmente minoritárias são desproporcionalmente afetadas por questões ambientais, como poluição do ar e da água, falta de acesso a serviços públicos essenciais e degradação do meio ambiente, tendo como referência de reflexão as recentes greves da Sabesp e do transporte público; lideranças e empresas alinhadas a esta agenda precisam refletir de forma prática as implicações diretas de suas atuações no contexto do racismo ambiental. 

Todas devem instigar altas e médias lideranças na construção de metas e indicadores sobre como suas ações impactam as comunidades ao entorno de seus negócios e além disso, precisam pensar em formas de mitigar reflexos negativos sobre a sociedade e resultados dos seus negócios.Trazendo de forma ainda mais objetiva e de modo propositivo, elenco abaixo alguns pontos de partida, aplicáveis de forma generalista super conectados a este contexto recente de São Paulo e compromissos ESG. São eles:

  1. Contribuição para acesso a água potável e consumo responsável – 

Assim como greves nos sistemas de distribuição podem resultar na falta de acesso à água potável, afetando de forma desproporcional comunidades marginalizadas que muitas vezes vivem em áreas periféricas das cidades e isso pode impactar também no abastecimento de empresas próximas a tais regiões, é preciso pensar e instaurar metas e planos de ação que permitam otimização do consumo de recursos naturais, investimentos em fontes sustentáveis e redução de impacto socioambiental, afim de contribuir para redução de agressões ao meio ambiente. 

  1. Transporte Público –

Interrupções no transporte público prejudicam principalmente trabalhadores de baixa renda, que muitas vezes são racialmente minoritários, tornando difícil o acesso a empregos, saúde e educação. Pensar no fortalecimento de investimentos à  economia local, contratando e desenvolvendo talentos locais, próximos às empresas, repensar e flexibilizar escalas e jornadas de trabalho entre formatos híbridos, promover interação e sistemas de transporte coletivos para pessoas em regiões próximas são algumas práticas que podem promover mudanças significativas em inclusão, diversidade, promoção de bem estar entre os colaboradores e conforme o nível de maturidade das empresas, ainda contribuir para redução de indicadores de emissão de carbono, dentre outros.

  1. Engajamento Comunitário –

Assim como entre as motivações está o questionamento sobre a privatização destes serviços e as paralisações ocorreram justamente em protesto contra os editais e pregões em articulação e tramitação. Neste texto quero propor mais uma reflexão conectada aos desafios e possíveis caminhos para gestão de Stakeholders e os impactos sociais e ambientais de movimentos como estes. Cabe a todas as empresas interessadas em promover ESG com efetividade construir análises eficazes de materialidade de riscos em seus relacionamentos com stakeholders, bem como traçar planos de mitigação destes, para evitar crises e impactos ainda maiores, antes mesmo que eles explodam em maior escala.

Entre alguns passos práticos de “lição de casa” constante, devem estar passos como: estabelecer diálogo com as comunidades afetadas por suas operações, ouvir preocupações, compartilhar informações de modo transparente e ético e tomar medidas para mitigar impactos adversos.

  1. Transparência ESG – 

Além da comunicação transparente e regular já mencionada, empresas brasileiras devem incorporar estes princípios também em seus relatórios ESG, pois isso não apenas demonstrará compromisso com a responsabilidade corporativa, mas também permitirá que os investidores e a sociedade em geral avaliem seu desempenho e que a mesma se desafie de forma constante e responsável no alcance dos objetivos.

  1. Investimentos em Cidades Inteligentes – 

E por último, mas não menos importante, mais uma proposta que lanço aqui é sobre a importância de Investir em infraestrutura de cidades inteligentes. Uma abordagem proativa para abordar questões de racismo ambiental e melhorar a qualidade de vida nas áreas urbanas, incluindo o desenvolvimento de transporte público eficiente, saneamento básico e outras soluções inovadoras que beneficiem todas as comunidades. Seja através do desenvolvimento de projetos próprios ou apoio a outras organizações para assim produzir inovações e caminhos de transformação com visão estratégica de médio e longo prazo.

Concluindo, reforço aqui que greves como as recentes da Sabesp e do transporte público de São Paulo, além de evidenciarem desigualdades ambientais e sociais profundas que afetam principalmente comunidades racialmente minoritárias e socioeconomicamente desfavorecidas, também podem servir como alavanca impulsionadora e fonte de insights para desenvolvermos melhor a responsabilidade ESG das empresas brasileiras.

Mesmo em territórios diferentes, sua empresa pode optar por se inspirar, fortalecer suas lideranças e desempenhar um papel fundamental na mitigação desses problemas, envolvendo-se com as comunidades afetadas, sendo transparente em relação às práticas ESG e investindo em cidades inteligentes. Ao adotar essas práticas, o Brasil pode dar passos significativos em direção a um futuro mais igualitário e sustentável, onde todos os cidadãos, independentemente de sua origem racial, tenham acesso a serviços básicos e qualidade de vida e negócios se tornem ainda mais sustentáveis.

Rosana Fernandes é Consultora ESG e DE&I  e Fundadora da Fênix Treinamentos e Consultoria

 

 

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