Eu tive duas impressões prévias sobre a série Cara Gente Branca (Dear White People) que estreou no Netflix neste final de semana. Esse texto nem é sobre o aspecto corajoso do roteiro em criticar os brancos, porque não tenho como arriscar qual foi a percepção deles sobre o filme, só espero que algumas cenas, sobretudo o devastador episódio 5, os levem a constatação que nossos “mimimis”, não são mania de perseguição.
O primeiro trailer que de acordo com a gerente de Marketing do Netflix, Renata Vieira (durante o evento Mulheres Digitais), gerou a maior onda de ataques e ameaças de boicote da história da empresa (acusada de promover racismo inversa, vejam só), me passou a ideia de que a série derivada do filme homônimo lançado em 2014, ambas as produções são assinadas por Justin Simien seria apenas uma crítica ácida á hipocrisia com que algumas pessoas brancas lidam com o racismo. O teaser mostra cenas de uma Black Face Party, o que gera revolta entre os negros da Ivy League Winchester, uma universidade conceituada e majoritariamente branca. As falas da protagonista Samantha White, poderosa e sem filtro, eram aquele sopro de frescor que sinto ao ver essa nova geração de jovens negros que não levam desaforo para casa, sabem dos seus direitos e usam o intelecto e não à violência para combater o racismo.
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Já no segundo trailer lançado no começo de Abril minha sensação foi outra. Haviam trechos sátiras com os coletivos negros como quando Sam White, se gaba de ter ganho muitas curtidas em um texto que escreveu sobre não se apaixonar sobre o opressor, quando confrontada por sua amiga Joelle por estar se relacionando com um homem branco.
Ainda há um trecho que Kelsie, uma estudante que parece a versão de saia do Carlton Banks de Um Maluco no Pedaço, dizendo que achava que o racismo tinha acabado com a Era Obama.
Ou seja, há também um tom crítico no seriado em relação à o modo de pensar desses coletivos negros dentro da universidade, dos mega engajados aos alienados.
Após assistir à todos os 10 episódios da série, que ganhou o prêmio de escolha do público no Festival SXSW de 2017, creio que a o texto tem um crítica para brancos e para negros, e isso o que fez para mim , com que o roteiro de Simien seja um dos mais originais e preciosos sobre questão racial dos últimos tempos.
É confortável para nós negros ouvirmos Sam como se ela fosse uma sumidade sobre as questões raciais. Ela realmente é uma ativista influente, inspiradora e combativa. Muito necessária para liderar o pequeno número de negros dentro de uma grande instituição tradicional e racista. Porém, é difícil mas necessário constatar que ela é movida pela vaidade tanto quanto pela ideologia. Ela gosta do conflito, mesmo que este seja o fim em si mesmo, não trazendo nenhum avanço concreto para o grupo que ela lidera. Ela é a dona do negrômetro, aquele medidor imaginário que dita que é mais negro que o outro e ela nem cogita a possibilidade de diálogo com que pensa diferente dela. Seja com editor chefe da Pastiche, revista racista e preconceituosa do campus, que chega a pedir trégua, seja com sua ex-melhor amiga, Coco que por ser uma negra de pele retinta ( e Sam é bi-racial) sofreu muito mais com racismo do que ela, a líder dos negros de Winchester fala muito, mas não ouve.
No episódio em que um dos personagens sofre racismo durante uma festa (sem detalhes para não dar spoilers), logo em seguida os estudantes negros ficam mais preocupados em organizar protestos e atacar à reitoria do que dar suporte emocional à vitima que disse nunca ter se sentido tão sozinha. Nós ainda falhamos muito no respeito ao suporte emocional dos negros que sofrem racismo. Muitos se tornam depressivos, suicidas, mas no afã de se fazer justiça nos esquecemos do aspecto humano da questão.
Lionel, o tímido mas revolucionário jornalista, mostra como preterimos nossos heróis silenciosos, aqueles que não são motivados por likes, confetes ou holofotes, mas pela indignação com a injustiça. Estamos muito ocupados e entretidos com os donos da verdade, os que lacram, tombam e ditam as regras nas quais nós negros e também os brancos, deveríamos viver.
Obviamente os coletivos negros da Ivy League Winchester mais acertam do que erram. Mas o roteiro inclui sim algumas reflexões sobre como agimos “sendo o rosto negro em um ambiente branco” em meio de tensões raciais causadas por professores, reitor e alunos. Nada se compara ao racismo, o que não significa que nós, enquanto grupo oprimido, temos sempre razão.