A comunidade negra é ignorada até em ações que tem o propósito de diminuir o racismo. Cresce a lista de casos onde se pensa no receptor da mensagem enquanto pessoa branca, ignorando o negro como leitor, ouvinte, consumidor ou expectador.
O caso do Criança Esperança foi exemplar nesse sentido. Um jogo emocional, envolvendo crianças negras, tinha com o objetivo fazê-las falar sobre o racismo, como se isso fosse algo desatrelado a tristeza, recordações ruins, vergonha e até humilhação. Resultado: crianças e adolescentes negros chorando, muito.
Notícias Relacionadas
Outro projeto de repercussão foi o da exposição Exhibit B, onde pessoas negras reais faziam parte da mostra, usando algemas, correntes e grilhões. Tudo em nome da reflexão por uma sociedade racialmente consciente. Mas como pessoas negras se sentiriam vendo isso? Ninguém nunca se pergunta.
O caso mais recente é a exposição Pourquoi pas? (Por que não? ) , de Alexandra Loras, negra, jornalista, palestrante e ex-consulesa da França, no Brasil e uma das fontes preferidas dos jornalistas brasileiros para falar sobre racismo. O evento está dando o que falar nas redes socais muito antes do seu lançamento.
A mostra, que será inaugurada no dia 2 de dezembro, em São Paulo, apresenta 20 retratos de personalidades brancas que tiveram seus rostos escurecidos (sim black face) por meio da manipulação digital e que de acordo com o material da campanha, ganharam traços “afrodescendentes”. Donald Trump, William Waak, Michel Temer, Ana Maria Braga, Dilma Rousseff e até o prefeito de São Paulo, João Dória, foram os rostos escolhidos para a exposição.
O projeto foi abraçado por donos de galeria de artes de São Paulo, mas não pela comunidade negra, que está indignada.
“Ser preto não é ser pintado de preto. Pintar personalidades de preto, não é provocador… é caricato, inútil, cafona e não diz nada para ninguém. Nem para o preto é muito menos para o branco”, alerta a militante e arquita Joice Berth em um post no seu perfil no Facebook.
“Há um processo incessante de reconstrução do imaginário negro que foi perdido. Produzir imagens de pessoas brancas pintadas de “negras” é um retrocesso na luta de regaste e valorização da população negra. Não faz sentido algum atribuir negritude à figuras que potencializam o genocídio das pessoas negras. Não há“, protesta Renata Martins cineasta, roteirista premiada e criadora do projeto Empoderadas.
E muitas críticas foram feitas diretamente no Instagram da Alexandra.
Arte Ativismo a serviço de quem?
A proposta do “black face em nome de uma causa”, é de acordo com o panfleto de divulgação, trazer “uma dose de humor e ironia sobre o protagonismo do negro na história”.
Para Envio, grafiteiro e curador da exposição, o que se pretende é levar a reflexão sobre quais seriam as nossas posturas se esses nomes importantes da sociedade fossem negros. “Será que faríamos os mesmos comentários preconceituosos? Trataríamos os diferentes da mesma forma?”.
Loras que também escreveu o polêmico livro Racismo Gourmet, optando mais uma vez em usar o humor, para como ela mesma disse na época “elevar o debate sobre mulheres negras” (sic) , tenta agora mostrar uma realidade invertida para provocar uma reflexão.
“Apresento uma realidade invertida para provar como estamos longe de uma democracia racial, que só acontecerá de fato quando tivermos 54% da população negra do Brasil no Congresso, na Mídia e em cargos de liderança“, argumenta a ex-consulesa em sua conta no Instagram.
Outra curiosidade da exposição é a lista de convidados, que aparecem com fotos no material de divulgação do evento, mas algum dizem não terem sido formalmente convidados. Os Youtubers Murilo Araujo, Gabi Oliveira e Nataly Neri foram alguns desses casos e sua agente Egnalda Côrtes emitiu um comunicado oficial sobre o assunto:
“A imagem deles é vinculada a essa exposição é equivocada e mal intencionada, visto que se trata de produtores de conteúdo digital conhecidos por seu ativismo, sendo assim a associação de imagem chancela uma exposição que não representa os ideais defendidos pelos influenciadores digitais citados“, explica a empresária.
Já passou da hora de projetos com temáticas raciais serem provocações. Racismo é crime, e não tem nada de descontraído nisso.