Texto: Breno Cruz
Em primeiro lugar eu gostaria de registrar minha admiração pela dançarina de Axé Music Lore Improta; que é casada com um homem negro; e, que vive no estado mais negro do Brasil. Isso não é um ataque à pessoa, à profissional, à família e às pessoas que a admiram e trabalham com ela. Este texto é sobre o que representa o Axé Music para mim, para a Bahia e para o povo preto.
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Rolando o Instagram do perfil @elaoglobo (Jornal o Globo) vi uma foto perfeita de uma mulher linda, loira e muito parecida com a Barbie. Passei para o lado (são quatro fotos) e só depois fui ler a legenda. Logo me revirei no sofá ao ver nas primeiras frases da legenda que era Lore Improta em uma celebração aos 40 anos de Axé Music, em um ensaio inspirado no Chiclete com Banana.
Lore Improta protagonizou um ensaio marcante em homenagem aos 40 anos do Axé Music, ritmo que mistura vários elementos musicais como o samba, o reggae, e o rock, além de conjuntos instrumentais e vocais de origem africana. Em bate-papo com ELA, a influenciadora fala sobre a essência do movimento que revelou artistas como Ivete Sangalo, Daniela Mercury e Carlinhos Brown, e há quatro décadas arrasta multidões.
Estamos em 2025 e a recente exposição da cantora que recusa cantar Iemanjá já deveria ser um sopro de consciência racial na escolha de qualquer pessoa não preta para estampar essa celebração.
A primeira música de Axé Music que escutei na vida eu tinha 6 anos, na rádio da minha cidade (Viçosa – MG) e era uma batida gostosa que no refrão dizia: “hê ihê ihê; Sakalavas oná é; Ihá ihá ihá, Sakalavas oná á; Madagascar, ilha, ilha do amor” – uma música do Olodum. Essa é a única música que eu lembro da minha infância e foi uma das primeiras expressões do Axé Music – ritmo que eu sou apaixonado.
De Axé Music eu entendo, vivo e sinto esse ritmo que me faz ser feliz. Por mais que eu goste das bandas de sucesso do passado como Araketu, Olodum, Timbalada, É o Tchan, Pagodart e artistas como Margareth Menezes, Márcio Vitor, Carla Visi e Ivete (impossível não mencioná-la); eu também entendo a construção de uma nova pegada do Axé Music que se baseia nos últimos anos no Pagodão Baiano (que eu também adoro).
Mas a pergunta é: por que a escolha de uma mulher branca para estampar uma matéria de 40 anos do Axé Music? Para os mais antigos, como eu, teríamos Margareth Menezes, Luís Caldas, Caldas, Olodum, Carlinhos Brown, Banda Mel, Tatau do Araketu, Xandy do Harmonia, Beto Jamaica e Cumpade Washington (que está numa polêmica de transfobia), Bell Marques, Olodum, Timbalada, Xande Harmonia – e por falar nele, eu até aceitaria Jacaré, Scheilas e Carla Perez. E para quem é da nova geração, poderíamos ter Léo Santana, Tonny Sales, Psirico ou Márcio Vitor. E, não causaria nenhum espanto se tivéssemos Ivete Sangalo ou Daniela Mercury na capa sobre 40 anos de Axé Music; afinal, elas são rainhas.
O Axé Music nasce dos tambores; do aquilombamento do povo preto em Salvador na energia que vibra naquela cidade – e que só tem lá. Explodiu sim com as coreografias; e, por isso se tornou sucesso comercialmente no Sudeste e e em todo Brasil (é difícil resistir aos movimentos coreografados em que se dança em grupo). Mas, antes, se espalhou pela periferia de Salvador e depois na alta sociedade. O povo preto trouxe ainda mais gingado por meio de uma sensualidade que só a gente tem ao dançar. É inegável a presença de África neste ritmo.
Num país racista e machista, vimos as mulheres pretas apagadas pelo próprio Axé Music – você não vai encher a mão contando quais cantoras pretas de Axé Music explodiram fora da Bahia. Talvez você consiga identificar apenas Margareth Menezes – que mesmo reconhecida nacionalmente não fez a mesma fortuna que as demais cantoras. E a gente sabe o porquê.
Em uma homenagem ao Axé Music eu esperava uma pessoa preta com traços negróides representando a raiz do Axé Music. Queria ver Brown, Olodum, Tatau, É o Tchan, Léo Santana ou um compilado de todos eles. E, para não fugir dos grandes ícones deste gênero, não deixaria Ivete Sangalo de fora.
Mas é aquilo, né? Eu não sou jornalista, não sou editor e sou apenas um fã número zero do Axé Music – o fã número 1 chegou depois de mim e eu diria pra ele: “Senta lá, Claudia!”. Se eu fosse alguém com poder de decisão para fazer uma celebração sobre os 40 anos do Axé Music, eu poderia ser lido como saudosista; mas nunca seria como alguém que apagou as principais características ancestrais de um movimento cultural.
Eu fico por aqui.
“Eu falei Faraó, ó, ó!
Ê, Faraó!”