Compartilhar ensinamentos, histórias de vida e compreensão de mundo relacionadas aos orixás. É assim que Iyá Omilade e Ifatola Olukemi aproximam a realidade e os valores vivenciados nas comunidades de Candomblé e Ifá de seus seguidores nas redes sociais.
Por meio de pílulas diárias em forma de vídeo ou texto, Iyá Omilade, 40, sacerdotisa do candomblé em São Paulo, apresenta questões sobre relacionamentos, comportamento, saúde mental e autocuidado. A missão de apresentar sua espiritualidade ao mundo através da internet, surgiu após a cura de uma depressão, quando Iemanjá, a orixá-mãe todas as cabeças, “lhe pegou”, como o povo de axé se refere ao transe espiritual.
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“Com a cura da depressão e a presença de Yemonjá, eu voltei a escrever. Eu acordava todo dias às cinco e meia da manhã com um insight de alguma coisa e comecei a rascunhar esses insights. Todos eles eram sempre sobre as coisas que eu não conseguia resolver em mim, então eu conseguia resolver em textos”, conta.
“Como a minha luta sempre foi manter um ori (cabeça) saudável, diante de tudo o que eu vivi, eu passei a escrever sobre orixá e ori. Em geral, as pessoas dão risada sobre isso, mas eu escrevo para mim. É para me fortalecer, e acreditando que com a minha experiência, em algum lugar do mundo, alguém tem uma experiência parecida e eu posso ajudar essa pessoa com algo que eu tenha vivido”, diz.
Ifatolá Olukemi, 39, é awô kekerê – um sacerdote em formação, no culto a Ifá. No Instagram, ele faz lives semanais com convidados sobre diversos temas ligados à espiritualidade, no programa Soró Orí (papo cabeça, em tradução livre) e faz lives matinais não programadas – o chamado Café com Macumba, onde traz ideias para um bom dia, com tema livre, onde se dedica a ouvir mais quem está assistindo à live.
“Eu não tinha a intenção de passar conhecimento, era só a manifestação das ideias, e isso foi crescendo, e vi as pessoas aderindo mais, principalmente com o aval das pessoas que me acompanham há muito tempo. Foi então que eu vi que eu poderia aprender muito, que é o meu primeiro intuito, além de desburocratizar as dinâmicas espirituais e dizer que elas podem, sim, contribuir para a dinâmica social da vida”, relembra.
Uma das maiores críticas feitas por membros das religiões africanas a quem fala de Candomblé e outros cultos na internet, diz respeito a possíveis quebras de tabu e desrespeito aos mistérios das religiões. No entanto, para Olukemi, isso passa longe de ser o que acontece em seu perfil.
“Existe uma linha muito fina entre o que não pode ser dito e o que deve ser compreendido. Eu concordo que existem muitas coisas que não precisam ser ditas, mas também vejo uma relação de poder muito negativa com a informação, que tenta sempre manter o outro preso à uma pessoa sem poder desenvolver a sua espiritualidade, sem buscar coisas que sejam interessantes para o seu desenvolvimento pessoal e até comunitário”, analisa.
Apesar de a religiosidade ser o grande pano de fundo tanto para Ifatolá quanto para Omilade, detalhes sobre formas de culto, receitas e ensinamentos de magias, por exemplo, não fazem parte do conteúdo criado por eles.
“Esses temas já estão bem distribuídos e conforme passa-se o tempo, e as pessoas vão à África, e os grandes estudiosos, se digladiam muito na internet por conta desse tipo de informação e quem está certo ou errado, quem sabe mais ou menos. E a gente fica no meio desse tiroteio sobre o que é certo ou errado no culto de orixá, quando na verdade, a sacada é falar sobre como a gente se comporta como omo orixá (filho de orixá), e como a gente pode curar o orí (cabeça) das adversidades, das nossas tretas internas e externas e como a gente pode se posicionar diante da sociedade com um ori saudável”, defende Omilade.
Essa busca fez com que Edelizio Junior encontrasse, no estudo do culto de Ifá, a sua primeira expressão de espiritualidade. “Foi a partir do contato com Ifatolá que eu comecei a me interessar verdadeiramente pela minha espiritualidade, por saber as formas corretas de me cuidar num momento em que eu estava com problemas relacionados ao meu bem-estar psicológico”, relembra.
Ter uma boa cabeça é o principal objetivo de quem cultua orixá, e, para Ifatolá, esse é a sua principal fonte de conteúdo. “Eu falo de encontrar meios para que se tenha uma boa cabeça, porque esse mundo de ansiedades e depressão vai na contramão do que a espiritualidade defende, mas isso também é uma condição social. Uma cabeça boa não é só uma cabeça espiritualmente boa, é também socialmente boa, que toma boas decisões no seu dia-a-dia, no seu convívio, nas coisas da sua casa”, conclui.