“A Lenda de Candyman” é uma continuação direta do clássico original de 1992 (“O Mistério de Candyman”), estrelado por Tony Todd, que por sua vez é a versão cinematográfica do conto “The Forbidden”, do escritor inglês Clive Barker, e só por isso poderia sustentar tranquilamente a curiosidade dos fãs de terror. Com a confirmação da produção executiva de Jordan Peele, nome queridinho de Hollywood após conceber duas pérolas do terror contemporâneo (“Corra” e “Nós”), a produção sobre o fantasma de Cabrini Green ganhou mais escopo. Não bastasse o nome de Peele, o filme ganhou a direção da talentosa Nia Dacosta, que será responsável pela sequência de “Capitã Marvel”.
Candyman é uma lenda intrínseca à criação do Cabrini Green, em Chicago. A história do fantasma com mão de gancho que aparecia quando tinha seu nome chamado cinco vezes em frente a um espelho aterroriza os moradores há décadas. O conjunto habitacional que ambientava o antigo filme foi substituído nos dias atuais por alguns condomínios de luxo e é em um desses prédios que o artista visual Anthony McCoy (Yahya Abdul‑Mateen II) e sua namorada, diretora da galeria, Brianna Cartwright (Teyonah Parris), buscam renovar o status de Anthony dentro da cena artística da cidade e ele busca na história macabra do bairro inspiração para criar novos quadros.
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Diante dessa investigação o filme começa a fundir os elementos sobrenaturais existentes no primeiro longa e as metáforas sociais poderosas já exploradas pelo produtor, Jordan Peele em outros trabalhos. Aqui, essas metáforas chegam à enésima potência, mas isso não tira em em nenhum momento o poder de apreciação do filme como obra de entretenimento. As duas primeiras mortes são uma aula de como construir clima soturno e assustar mesmo que não tente esconder o que vai acontecer aos personagens. É o uso do clichê de gênero de forma exemplar e violência gráfica servindo à narrativa.Outra passagem digna de nota é o relato das histórias antigas fazendo uso de bonecos em sombras. Renderia um curta de animação interessante.
Yahya Abdul‑Mateen II e Teyonah Parris têm uma boa química em cena. Ela como curadora de arte tentando equilibrar a carreira e os cuidados com a carreira do namorado estagnado. A ligação da personagem com McCoy se justifica num breve flashback sobre o fim trágico de seu pai e isso é toda exposição necessária que o filme nos dá. Inclusive o namorado e o pai de Brianna serem artistas emergentes frustrados é um fator enriquecido pela sátira que se faz a arrogância do meio, tanto por parte de artistas como de críticos e curadores.
O personagem de Mateen II vai naturalmente de um charmoso um tanto cínico para mais completa insanidade à medida que se depara com os eventos aterrorizantes e inexplicáveis de Cabrine Green. Parris mostra a que veio com atuação que eleva o nível de tensão e supera sua ótima participação em “WandaVision”. Brianna é cética e embora demonstre amor a Anthony, não exita em se afastar ao menor sinal de ameaça de violência física.
“A Lenda de Candyman” tece críticas ferozes sobre a gentrificação, racismo, violência policial, arrogância e ausência de autocrítica da classe artística branca. Essas críticas não são leves ou sutis, mas passam longe de resvalar no simples apontamento de dedo. O roteiro (também escrito com ajuda de Nia Dacosta) é sagaz e jamais subestima a inteligência do público.
Esteticamente o filme é lindo. O esmero da fotografia e dos efeitos especiais que só recorrem à computação gráfica em momentos pontuais enriquece a experiência.
Todas as aparições de Candyman são incômodas, sempre acompanhadas de certeira escolha de efeitos sonoros. É um desafio para filmes de terror manter sua criatura assustadora à medida que a figura fica mais comum na tela, mas a premissa do personagem e a escolha por mostrar algumas de suas ações através de reflexos fazem com que sua presença em tela nunca seja inócua em relação a provocar medo.
Acertadíssima escolha da produção em trocar a contadora da história (branca no original) por personagens negros. Afinal, Candyman tem origem no assasinato do afro-americano Daniel Robitaille, um homem assassinado por ter engravidado uma mulher branca. Robitaille foi torturado, teve a mão decepada e depois jogado para ser devorado por abelhas após ter o corpo coberto por mel. Resumindo, Candyman nasceu como vítima e a história de violência contra negros em Chicago fez com que surgissem outras figuras que se tornassem Candyman, mostrando assim que a história repetida e contada torna a lenda imortal, assim como a violência que assola a população negra naquele país.
“A Lenda de Candyman” é aterrorizante, inteligente e traz um final que vai fazer a platéia se arrepiar. Se nada de novo surgir até o final do ano, uma indicação ao Oscar não seria surpresa.
O filme está em cartaz nos cinemas.