A norte-americana Rayna Clay anunciou nesta semana a criação da plataforma Pregnant And Black (Grávida e Negra), dedicada a apoiar mulheres negras grávidas após sofrer um caso grave de negligência médica que quase tirou sua vida e a de sua filha. O projeto visa conectar gestantes negras a profissionais de saúde comprometidos com um atendimento adequado, mas a realidade que Clay enfrentou não é exclusiva dos EUA—no Brasil, dados mostram um cenário ainda mais crítico.
Clay estava com 30 semanas de gravidez quando começou a sentir fortes dores. Mesmo bebendo quatro litros de água por dia, recebeu repetidos diagnósticos de “desidratação” em um pronto-socorro. “Os médicos diziam que a gravidez era dolorosa e que eu precisava lidar com isso”, contou à revista Essence. Graças à insistência de sua família, descobriu uma apendicite necrosante aguda, que exigiu cirurgia de emergência. “Se tivéssemos sido mandados de volta para casa, eu provavelmente teria morrido”, afirmou.
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A experiência negativa da norte-americana a inspirou a criar um aplicativo, que está em desenvolvimento, para que outras mulheres negras possam receber suporte e tenham suas necessidades atendidas por profissionais atentos. O que Clay viveu reflete a crise de mortalidade materna entre mulheres negras nos EUA, mas no Brasil, os números são ainda mais alarmantes, considerando que aqui elas morrem o dobro no pré e pós-parto, revelando a urgência de políticas públicas que tenham como foco o combate ao racismo no atendimento às mulheres negras grávidas.
No Brasil, mulheres negras morrem o dobro no pré e pós-parto
Uma pesquisa da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) revelou que mulheres negras têm quase o dobro do risco de morte materna em comparação com brancas. Dados do Ministério da Saúde confirmam que a população negra tem os piores índices gerais de saúde, incluindo as maiores taxas de mortalidade materna e infantil.
O estudo, publicado na Revista de Saúde Pública em junho de 2024, mostrou que, entre 2017 e 2022, a taxa de mortalidade materna foi de 125,8 por 100 mil nascidos vivos entre mulheres negras, contra 64 por 100 mil para brancas e pardas.
Débora Santos, professora e coautora da pesquisa, explica: “No Brasil, nós percebemos que as principais causas são evitáveis. Essas taxas elevadas não estão ligadas às questões de idade ou de óbito em si, mas sim às questões sociais, em especial a racial.”
A pandemia de Covid-19 agravou o cenário, com aumento de mortes por causas evitáveis, como infecções e hipertensão, em 2020 e 2021.
Um problema global
Assim como nos EUA, onde Clay criou o Pregnant And Black para combater a negligência, no Brasil a intersecção entre racismo e saúde pública continua a custar vidas. Enquanto o aplicativo de Clay está em desenvolvimento (com atualizações em www.pregnantandblack.com e no Instagram @pregnantandblack), especialistas brasileiros reforçam a urgência de políticas públicas que enfrentem o viés racial no atendimento médico.
“Mulheres negras merecem ter suas vozes ouvidas e suas necessidades atendidas pelo sistema médico”, disse Clay.